
Um deputado brasileiro quer que você precise de diploma para dar sua opinião na internet. Vicentinho Júnior, do PP do Tocantins, apresentou o Projeto de Lei 5990/2025 que proíbe influenciadores de falar sobre temas técnicos sem formação específica. A multa? R$ 50 mil por dia e suspensão de contas por até 180 dias.
A proposta não é original. A China já implementou lei similar, exigindo que influenciadores tenham diploma na área sobre a qual falam. Médicos para medicina, economistas para economia. O deputado brasileiro copiou a ideia, mas piorou: incluiu bebidas alcoólicas, tabaco e jogos na lista de assuntos proibidos.
O projeto revela uma tentativa clara de censura disfarçada de proteção ao consumidor. Quando o Estado decide quem pode falar sobre o quê, a liberdade de expressão morre por asfixia burocrática.
A lei que transforma opinião em crime
O texto do projeto é cristalino em sua intenção censória. Segundo a proposta, fica “vedado ao influenciador digital divulgar conteúdo sobre temas que demandem conhecimento especializado”. A lista de temas proibidos inclui medicamentos, terapias, bebidas alcoólicas, tabaco, defensivos agrícolas, jogos de azar e produtos financeiros.
A legislação ignora um princípio básico: todos temos direito à opinião. Quando alguém posta nas redes sociais, está expressando seu ponto de vista pessoal. Não está exercendo medicina ou engenharia. Está compartilhando experiências e percepções.
O projeto cria uma categoria artificial de “influenciador digital” para justificar a censura. Na prática, qualquer pessoa que manifeste opinião online pode ser enquadrada. Você critica uma vacina sem ser médico? Multa. Fala sobre investimentos sem ser economista? Suspensão da conta.
A proposta estabelece punições progressivas que revelam seu caráter autoritário. Primeiro, advertência com prazo para “medidas corretivas” – ou seja, apagar o conteúdo. Depois, multa diária de R$ 50 mil. Por fim, suspensão da conta por 90 dias, prorrogável por igual período.
Quando a burocracia mata o conhecimento prático
A exigência de diploma para opinar sobre temas técnicos ignora a realidade do conhecimento prático. Na área de programação, por exemplo, muitos profissionais excelentes não têm formação específica. Farmacêuticos, biólogos e até pessoas sem segundo grau trabalham com programação e ganham bem.
O mesmo vale para outras áreas. Pedreiros experientes frequentemente sabem mais sobre construção residencial que engenheiros recém-formados. Investidores autodidatas podem ter melhor performance que economistas diplomados. A competência não mora necessariamente no diploma.
O projeto do deputado Vicentinho Júnior cria uma reserva de mercado digital. Apenas quem tem certificado pode opinar. É como se a experiência de vida, o estudo autodidata e o senso crítico não valessem nada diante de um papel oficial.
Essa mentalidade burocrática sufoca a inovação e a diversidade de perspectivas. Quantos insights valiosos serão perdidos porque vieram de quem não tem o diploma “correto”? O Estado não deveria decidir quem pode contribuir para o debate público.
Os absurdos da lista de temas proibidos
A lista de assuntos que exigiriam diploma revela a incoerência da proposta. Bebidas alcoólicas estão na lista – qual formação seria necessária? Sommelier? Químico? Alcoólatra em recuperação? O projeto não esclarece.
Tabaco e derivados também aparecem na lista proibida. A pergunta óbvia: que diploma habilita alguém a falar sobre cigarro? Medicina? Agricultura? Ou bastaria ser fumante há 20 anos para ter conhecimento prático sobre o assunto?
Defensivos agrícolas completam o trio dos absurdos. O agricultor experiente que usa produtos há décadas não poderia opinar sem diploma de química ou agronomia. O conhecimento empírico, construído na prática, seria descartado em favor do certificado acadêmico.
Jogos de azar também estão na lista. Presumivelmente, só estatísticos poderiam alertar sobre os riscos do jogo – que é, essencialmente, um imposto cobrado de quem não entende estatística. A ironia é que qualquer pessoa com ensino médio consegue compreender as probabilidades envolvidas.
Censura que não resolve problema algum
O projeto falha em seu objetivo declarado de combater desinformação. Milhares de influenciadores estrangeiros continuarão produzindo conteúdo acessível aos brasileiros. A lei só prejudicaria criadores nacionais, criando uma vantagem competitiva artificial para conteúdo estrangeiro.
A medida também ignora a natureza descentralizada da internet. Brasileiros podem acessar conteúdo de qualquer lugar do mundo. Censurar influenciadores nacionais não mudará o panorama informacional geral – apenas empobrecerá o debate público brasileiro.
O Estado não consegue controlar o fluxo de informações na era digital. Tentar fazê-lo resulta apenas em autoritarismo ineficaz. A melhor resposta à má informação é mais informação, não menos liberdade de expressão.
A proposta de Vicentinho Júnior representa a mentalidade paternalista que vê o cidadão como incapaz de discernir. Como se as pessoas não pudessem ouvir diferentes opiniões e formar seus próprios julgamentos. É a infantilização da sociedade pelo Estado.
O direito de opinar não precisa de diploma
A liberdade de expressão é direito fundamental que não depende de certificações acadêmicas. Quando postamos nas redes sociais, estamos exercendo nosso direito à opinião. Não estamos prescrevendo medicamentos ou projetando pontes – estamos compartilhando perspectivas pessoais.
O projeto confunde opinião com prestação de serviços profissionais. Uma coisa é exercer medicina sem registro no CRM – crime já tipificado em lei. Outra é expressar opinião sobre saúde baseada em experiência pessoal ou estudo individual.
Todo cidadão tem o direito de questionar tratamentos médicos, criticar políticas de saúde pública ou compartilhar experiências com medicamentos. Esse direito não pode ser condicionado à posse de diploma. Seria como exigir formação em ciência política para criticar o governo.
A proposta cria duas classes de cidadãos: os diplomados, que podem opinar, e os demais, condenados ao silêncio. É uma hierarquização do direito à fala que contradiz os princípios democráticos mais básicos.
Quando o Estado decide quem pode falar
A tentativa de regular opiniões online revela a mentalidade autoritária que não suporta o debate livre. O Estado se arroga o direito de decidir quem pode participar da conversa pública. É censura prévia disfarçada de proteção ao consumidor.
O projeto estabelece que a suspensão da conta atinge toda a atividade do influenciador, não apenas o conteúdo específico que gerou a punição. É punição desproporcional que silencia a pessoa completamente, impedindo-a de falar sobre qualquer assunto.
A multa de R$ 50 mil por dia é claramente confiscatória para a maioria dos criadores de conteúdo. Poucos influenciadores têm receita suficiente para arcar com tal penalidade. A punição é desenhada para quebrar economicamente quem desobedecer.
O Estado brasileiro já tem instrumentos legais para combater charlatanismo e exercício ilegal de profissões. Criar nova camada de censura é desnecessário e perigoso. Quando o governo ganha poder de calar pessoas, esse poder sempre é usado além do inicialmente previsto.
Por que essa lei é perigosa para todos
A proposta de Vicentinho Júnior não afeta apenas grandes influenciadores. Na era das redes sociais, todos somos influenciadores em algum grau. Seus posts podem influenciar amigos e familiares. Seus comentários podem ser compartilhados e viralizados.
O projeto cria precedente perigoso para expansão futura da censura. Hoje são medicamentos e bebidas alcoólicas. Amanhã podem ser temas políticos, econômicos ou sociais. O Estado que ganha poder de censurar sempre encontra novos motivos para exercê-lo.
A lei também estabelece o princípio de que o Estado pode determinar quem está qualificado para participar do debate público. É o fim da internet como espaço democrático de troca de ideias e experiências.
Profissionais liberais serão especialmente afetados. Médicos, advogados, engenheiros e outros que usam redes sociais para construir reputação profissional terão que navegar por campo minado burocrático. Um comentário mal interpretado pode resultar em multa milionária.
O projeto foi apresentado em novembro de 2025 e ainda não teve movimentação significativa no Congresso. É momento de mobilização contra essa tentativa de censura disfarçada. A liberdade de expressão, uma vez perdida, é difícil de reconquistar.
A verdadeira proteção contra desinformação não vem da censura estatal, mas da educação e do debate livre. Quando o Estado decide o que podemos ouvir, perdemos a capacidade de desenvolver nosso próprio discernimento.
Diante dessa tentativa de transformar opinião em crime e diploma em pré-requisito para a fala, uma pergunta se impõe: em que tipo de sociedade queremos viver? Uma onde o Estado tutela nossas conversas ou onde somos livres para falar, ouvir e decidir por nós mesmos?


