dezembro 6, 2025

Ludwig M

Lei do Impeachment volta: golpe no Gilmar ou cilada para 2026?

Lei do Impeachment volta: golpe no Gilmar ou cilada para 2026?

O projeto que saiu da gaveta na hora certa

O Senado decidiu ressuscitar a Lei do Impeachment que estava morta desde 2023. O PL 1388, que foi elaborado por um grupo de juristas coordenado pelo ministro Lewandowski, ganhou vida nova após a polêmica decisão de Gilmar Mendes. A decisão do ministro praticamente blindou os magistrados do Supremo contra processos de impeachment.

A oposição procurava uma resposta jurídica para a manobra de Gilmar Mendes. Fazer uma PEC ou criar novas leis seria inútil, já que o próprio STF poderia declará-las inconstitucionais. A saída encontrada foi resgatar um projeto que já existia e que tem uma origem curiosa: foi pensado para derrubar Bolsonaro.

O projeto começou a ser elaborado em 2022, quando a esquerda ainda sonhava com o impeachment de Bolsonaro. A expectativa era ter uma ferramenta legal pronta caso o então presidente se reelegesse. Com a derrota eleitoral de Bolsonaro, o projeto perdeu a utilidade e foi abandonado.

Agora, ironicamente, a mesma lei que deveria facilitar a queda de Bolsonaro pode ser usada contra ministros do STF. O destino tem dessas reviravoltas que nem roteirista de novela conseguiria imaginar melhor.

A lei feita sob medida para Bolsonaro

Quem analisa o texto original do PL 1388 percebe rapidamente que foi desenhado para atingir Jair Bolsonaro. Os crimes de responsabilidade foram moldados com base nas principais críticas feitas ao ex-presidente durante seu mandato. A começar pela questão sanitária.

Um dos novos crimes de responsabilidade é “deixar de adotar medidas necessárias para proteger a vida e a saúde da população em situações de calamidade”. Não precisa ser especialista em direito para entender a quem essa regra se destinava. Era a resposta jurídica às críticas sobre a gestão da pandemia.

Outro ponto interessante: os juristas retiraram os crimes que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff. As famosas pedaladas fiscais foram removidas da lista. Em compensação, incluíram condutas como “praticar ou induzir discriminação ou preconceito de origem, raça, cor, gênero, etnia”.

Era claramente uma lei personalizada. Tirava os crimes da esquerda e incluía os “crimes” da direita. O problema é que essa personalização pode se voltar contra quem a criou, especialmente quando se trata dos ministros do STF.

O meio-termo que pode resolver tudo

A grande inovação da lei está em quem pode fazer a denúncia por crime de responsabilidade. Hoje, qualquer cidadão pode apresentar um pedido de impeachment. Gilmar Mendes decidiu que só o Procurador-Geral da República tem essa prerrogativa para ministros do STF.

A nova lei estabelece um meio-termo inteligente. Partidos políticos com representação no Poder Legislativo, a OAB, entidades de classe e organizações sindicais de âmbito nacional podem apresentar denúncias. Cidadãos também podem, mas seguindo os mesmos critérios da iniciativa legislativa popular.

Na prática, isso significa que você precisaria de cerca de 4 milhões de assinaturas para pedir o impeachment de um presidente ou ministro do STF. É mais restritivo que a lei atual, mas muito mais amplo que a proposta de Gilmar Mendes. E o mais importante: fica difícil para o STF questionar, já que foi o próprio Lewandowski quem coordenou sua elaboração.

Essa solução resolve parte significativa do problema criado pela decisão de Gilmar Mendes. Não é qualquer um que pode fazer a denúncia, mas também não é só o PGR. É um equilíbrio que pode funcionar na prática.

O fim da gaveta presidencial

Uma das principais mudanças da nova lei está no processo após a denúncia. Hoje, o presidente da Câmara ou do Senado pode simplesmente engavetar os pedidos de impeachment. Eduardo Cunha fez isso, Arthur Lira fez isso, Davi Alcolumbre está fazendo isso.

A nova lei estabelece prazo de 30 dias para o presidente da Casa se manifestar. Se ficar em silêncio, é considerado indeferimento tácito. Mas aqui vem o pulo do gato: cabe recurso ao plenário. Se um terço dos parlamentares apoiar, o processo segue mesmo contra a vontade do presidente da Casa.

Isso significa que Davi Alcolumbre não poderia mais sentar em cima dos pedidos de impeachment contra ministros do STF. Teria que se posicionar em 30 dias. Se recusar, bastaria um terço do Senado para derrubar sua decisão e fazer o processo andar.

É uma mudança que favorece quem quer realmente investigar autoridades. Remove o poder de veto individual dos presidentes das Casas legislativas. O processo se torna mais democrático e menos dependente de vontades pessoais.

Ministros do STF na mira da própria lei

A ironia da situação é que a lei criada pela esquerda pode se voltar contra os próprios aliados no STF. O texto define crimes específicos para magistrados que se aplicam perfeitamente a vários ministros atuais.

Um exemplo claro está no artigo 14, inciso 3: “manifestar por qualquer meio de comunicação opinião sobre processos e procedimentos pendentes de julgamento”. Gilmar Mendes faz isso rotineiramente. Dia sim, dia também, emite opiniões públicas sobre casos que podem chegar ao STF.

Outro crime definido é “exercer atividade político-partidária ou manifestar opiniões dessa natureza”. Quantos ministros do STF poderiam ser enquadrados nessa definição? A resposta é constrangedora para quem defende a imparcialidade do Judiciário.

A lei também pune magistrados que “embaracem o livre exercício de direitos políticos do processo eleitoral”. Considerando as interferências do STF nas eleições recentes, vários ministros poderiam ser questionados com base nesse critério.

É uma situação em que o feitiço pode se voltar contra o feiticeiro. A ferramenta criada para atacar a direita pode ser usada para responsabilizar ministros que extrapolaram suas funções constitucionais.

Por que a esquerda ainda apoia a lei

Mesmo com os riscos para seus aliados no STF, parte da esquerda ainda demonstra interesse na aprovação da lei. A razão é simples: estão de olho nas eleições de 2026. Percebem que podem perder o poder e querem ter instrumentos legais para atacar o próximo governo.

Se Flávio Bolsonaro ou outro candidato de direita vencer em 2026, a esquerda quer ter uma lei de impeachment moderna e eficiente para usar contra ele. É a mesma lógica que motivou a criação da lei em 2022: preparar o terreno jurídico para futuras batalhas políticas.

Além disso, a lei mantém vários dos crimes pensados especificamente para atacar políticos de direita. As questões relacionadas a discriminação, saúde pública e direitos fundamentais continuam no texto. São munições que podem ser usadas contra qualquer governo conservador.

O cálculo político é claro: vale a pena correr o risco de perder alguns ministros do STF se isso garantir ferramentas para atacar o próximo presidente de direita. É uma aposta no longo prazo que pode compensar os riscos imediatos.

A decisão política por trás dos crimes jurídicos

No final das contas, impeachment é sempre uma decisão política, não jurídica. Os crimes definidos em lei são apenas o pretexto formal para uma decisão que depende da correlação de forças no Congresso. Dilma Rousseff foi deposta porque havia ambiente político para isso, não porque suas pedaladas fiscais eram especialmente graves.

Bolsonaro não sofreu impeachment porque não havia votos suficientes no Congresso, mesmo com dezenas de pedidos protocolados. Lula pode cometer os mesmos crimes que levaram Dilma à queda, mas não será removido enquanto tiver apoio parlamentar. A lei é apenas o instrumento formal de uma decisão essencialmente política.

Isso não significa que a nova Lei do Impeachment seja inútil. Ela pode facilitar processos quando houver vontade política para levá-los adiante. Remove obstáculos burocráticos e impede que presidentes das Casas legislativas bloqueiem unilateralmente as investigações.

A grande questão é se haverá votos no Senado para aplicar a lei contra ministros do STF. Isso dependerá da composição da Casa após as eleições de 2026 e do ambiente político que se formar. A lei é a ferramenta. A política é quem decide se ela será usada.

O que vem pela frente

A tramitação da Lei do Impeachment promete ser interessante. O projeto já recebeu várias emendas e ainda precisa de relatório legislativo para consolidar as mudanças. O texto final pode ser diferente da versão original analisada aqui.

A oposição vê na lei uma oportunidade de responder à blindagem criada por Gilmar Mendes. É melhor que tentar criar novas leis que seriam facilmente derrubadas pelo STF. Usar um projeto elaborado pelo próprio Lewandowski dá legitimidade à iniciativa.

O governo está dividido. Alguns setores apoiam porque querem ferramentas para o futuro. Outros temem que a lei seja usada contra aliados no STF. É um dilema típico de quem precisa pensar no hoje e no amanhã simultaneamente.

A aprovação da lei não resolve todos os problemas, mas pode ser um primeiro passo. Remove alguns obstáculos processuais e amplia o leque de quem pode fazer denúncias. É um avanço em relação ao cenário atual, onde qualquer pedido pode ser engavetado indefinidamente.

O mais provável é que a lei seja aprovada com algumas modificações. O ambiente político favorece mudanças que limitem o poder de ministros do STF e presidentes das Casas legislativas. A população está cansada de autoritarismos e bloqueios antidemocráticos.

No fundo, essa Lei do Impeachment representa uma tentativa de reequilibrar os poderes. O STF avançou muito além de suas competências constitucionais. O Legislativo precisa de instrumentos para reagir a esses abusos. A ironia é que a própria esquerda forneceu a ferramenta para isso.

Deixe um comentário