
O truque por trás da ‘recuperação’ das ações
A Alpargatas, dona da marca Havaianas, anunciou que ‘recuperou’ R$ 150 milhões em valor de mercado após a polêmica que gerou boicote em dezembro de 2025. A informação foi celebrada pela mídia como prova de que o boicote fracassou. Mas há um detalhe que poucos notaram: a própria empresa comprou suas ações para inflar artificialmente o preço.
Segundo comunicado oficial ao mercado divulgado em 23 de dezembro de 2025, a Itaúsa e a BW Gestão de Investimentos, controladoras da Alpargatas, adquiriram 54 milhões de ações preferenciais da empresa. Isso representa aproximadamente 15,16% das ações preferenciais em circulação. O movimento aconteceu exatamente no dia 22 de dezembro, no auge da crise.
Essa operação é uma manobra clássica de contenção de danos. Quando uma empresa vê suas ações despencando, os controladores podem comprar papéis no mercado para segurar a queda. O problema é que isso cria uma valorização artificial, que não reflete a real situação dos negócios.
Para o investidor comum, é fundamental entender que essa ‘recuperação’ não significa que a empresa resolveu seus problemas. Na verdade, mostra exatamente o contrário: os controladores estão tão preocupados que decidiram gastar dinheiro próprio para evitar uma queda maior.
O boicote que incomodou mais do que admitem
Tudo começou com uma propaganda da Havaianas que gerou revolta entre consumidores de direita. A campanha usava a frase ‘entre com o pé direito’, interpretada por muitos como provocação política. Além disso, a protagonista era Fernanda Torres, figura conhecida por posições de esquerda e apoio a medidas controversiais do Supremo Tribunal Federal.
O boicote teve efeito imediato. As ações da Alpargatas perderam R$ 200 milhões em valor de mercado em poucos dias, com queda de 2% no preço dos papéis. A empresa viu sua credibilidade abalada entre uma fatia importante de consumidores brasileiros.
A reação da esquerda foi previsível: personalidades como Guilherme Boulos e Erika Hilton fizeram propaganda gratuita para as Havaianas nas redes sociais. O objetivo era mostrar apoio à marca e estimular compras entre eleitores progressistas.
Mas há um problema matemático nessa estratégia. O público de esquerda se divide em dois extremos: uma elite com muito dinheiro (mas numericamente pequena) e uma base popular com pouco poder de compra. O mercado consumidor de classe média, que sustenta marcas como Havaianas, concentra-se mais à direita do espectro político.
A matemática que não fecha para a esquerda
Havaianas não é chinelo barato. Comparado com outras opções no mercado, o produto tem preço premium. Isso significa que o consumidor precisa ter renda disponível para escolher pagar mais pela marca, em vez de optar por alternativas mais baratas.
A base eleitoral de esquerda no Brasil se concentra em duas pontas opostas da pirâmide social. No topo, temos a elite intelectual e política de Brasília, com alto poder aquisitivo mas pouco numerosa. Na base, está a população de baixa renda, que dificilmente vai priorizar uma Havaianas quando pode comprar três chinelos pelo mesmo preço.
O meio da pirâmide, onde está o consumidor de classe média com renda estável, tende a ser mais conservador. É exatamente esse público que tem condições de comprar Havaianas regularmente e que foi atingido pelo boicote.
Por isso, mesmo com toda a mobilização de influenciadores de esquerda, o volume de vendas de reposição não conseguiu compensar a perda do público conservador. A saída foi artificial: a própria empresa injetar dinheiro para segurar o preço das ações.
Como funciona a compra de ações próprias
Quando uma empresa compra suas próprias ações, ela reduz a quantidade de papéis em circulação no mercado. Com menos ações disponíveis, a tendência é que o preço suba pela lei da oferta e demanda. É um mecanismo legítimo, mas que precisa ser usado com transparência.
No caso da Alpargatas, a operação foi comunicada oficialmente ao mercado, cumprindo as exigências legais. O comunicado de 23 de dezembro informa que as ações adquiridas estão vinculadas ao acordo de acionistas celebrado em setembro de 2017.
Mas a questão ética permanece. Os controladores estão usando recursos da empresa para criar uma valorização que não reflete melhoria nos fundamentos do negócio. Para outros acionistas, isso significa diluição de sua participação e concentração ainda maior do controle.
A operação também serve como ferramenta de marketing. A empresa pode apontar para a ‘recuperação’ das ações como prova de que superou a crise, quando na verdade está apenas mascarando o problema com dinheiro próprio.
O verdadeiro impacto do boicote
Longe de fracassar, o boicote teve tanto impacto que forçou os controladores a uma medida extrema. Empresas sólidas, com vendas crescendo e consumidores satisfeitos, não precisam comprar as próprias ações para sustentar cotação.
A decisão revela desespero dos executivos, que preferiram gastar recursos em operação financeira a tentar reverter o dano reputacional. Em vez de mudar a estratégia de comunicação, trocar a agência de publicidade ou rever o posicionamento da marca, escolheram o caminho mais fácil: maquiar os números.
Para o consumidor consciente, isso confirma que o boicote está funcionando. A Alpargatas não teria tomado uma medida tão drástica se as vendas estivessem normais. O fato de precisar inflar artificialmente o valor das ações mostra que a pressão foi efetiva.
O movimento também expõe como grandes empresas manipulam a percepção pública. A mídia tradicional noticiou a ‘recuperação’ sem explicar que foi artificial, criando a falsa impressão de que o boicote fracassou.
Lições para consumidores e investidores
Este caso ensina lições valiosas sobre poder do consumidor e transparência corporativa. Primeiro, boicotes organizados podem sim afetar grandes empresas, mesmo aquelas com marcas consolidadas há décadas. O mercado é sensível à opinião pública, especialmente quando atinge o bolso.
Segundo, é fundamental analisar os números com cuidado. Recuperações súbitas de ações após crises devem ser investigadas. Muitas vezes, escondem operações para mascarar problemas reais do negócio.
Para investidores, o episódio serve de alerta sobre riscos ESG (ambientais, sociais e de governança). Empresas que se posicionam politicamente assumem o risco de alienar parte de sua base de consumidores. Isso pode se traduzir em volatilidade desnecessária para os acionistas.
O consumidor brasileiro mostrou que não aceita passivamente ser provocado. Quando uma marca resolve fazer militância política, precisa estar preparada para as consequências financeiras. No livre mercado, é o consumidor quem decide o sucesso ou fracasso de uma empresa.
O que vem por aí
A estratégia da Alpargatas pode funcionar no curto prazo, mas não resolve o problema de fundo. Se o boicote continuar, a empresa terá que escolher entre manter a posição política e perder mercado, ou rever seu posicionamento.
Comprar as próprias ações é medida temporária e custosa. Os recursos usados nessa operação poderiam ter sido investidos em melhorar produtos, expandir mercados ou desenvolver novas linhas. Em vez disso, foram queimados para maquiar uma crise autoinfligida.
Para os consumidores que aderiram ao boicote, o recado é claro: a pressão está funcionando. A reação desesperada dos controladores confirma que a estratégia está no caminho certo.
O episódio também pode inspirar outros boicotes contra empresas que insistem em fazer militância política. O consumidor brasileiro descobriu que tem poder real sobre grandes corporações, desde que use esse poder de forma coordenada.
No final das contas, este caso reforça um princípio fundamental do livre mercado: empresas que desrespeitam seus consumidores pagam o preço. Não importa o tamanho da marca ou quantos anos ela existe. Quando o consumidor decide votar com o bolso, até gigantes corporativas sentem o impacto.
A pergunta que fica é: outras empresas vão aprender com o erro da Alpargatas, ou também vão precisar queimar dinheiro comprando as próprias ações para esconder prejuízos autoinfligidos?

