
A investigação apura um suposto esquema de emissão e negociação de títulos de crédito sem lastro, conhecidos no mercado como “títulos podres”, com prejuízos estimados em até R$ 12,2 bilhões. Mas a situação do Banco Master pode abrir precedente perigoso para outras instituições financeiras. A audiência marcada para 30 de dezembro no Supremo Tribunal Federal sobre o caso vai muito além de questionar a liquidação do banco de Daniel Vorcaro. Na verdade, pode expor a fragilidade de todo o sistema de fiscalização bancária brasileiro.
Nota editorial: Este conteúdo tem caráter analítico e opinativo, baseado em debates públicos e fontes abertas. Não afirma como fatos comprovados condutas ilegais ou ilícitas. Seu objetivo é promover reflexão crítica sobre temas de interesse público.
O argumento que pode derrubar outros bancos
O Banco Master não vai para a liquidação sem resistência. O ministro Dias Toffoli determinou a realização de uma acareação entre o dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino Santos. A estratégia da defesa é simples: se existem outros bancos com problemas similares operando normalmente, por que só o Master foi liquidado?
Dois nomes aparecem com destaque nessa discussão: o Banco Pleno e o Banco Digimais. Augusto Lima chegou ao Master em 2019 e foi CEO e sócio do banco até deixar a instituição em maio deste ano, sendo preso pela Polícia Federal na Operação Compliance Zero. Depois da saída, ele assumiu o controle do antigo Banco Voiter e criou o Banco Pleno. A pergunta que incomoda é: se Lima estava na direção do Master durante os problemas, por que o Banco Central aprovou sua nova operação?
O caso fica mais intrigante quando analisamos os números. O Banco Pleno possui cerca de 140 convênios, oferecendo crédito consignado em quase todos os Estados, atendendo a mais de 2,5 milhões de clientes, com quase 50 lojas físicas e um call center com 300 funcionários, além de patrimônio líquido inicial de aproximadamente R$ 900 milhões. Uma estrutura robusta construída rapidamente após a saída do Master.
A situação do Banco Digimais adiciona outra camada de complexidade. A instituição financeira é de propriedade de Edir Macedo, controlada pelo Grupo Record, e focada em crédito consignado e financiamento de veículos. Recentemente, o banco foi vendido para o empresário Maurício Quadrado, com promessa de aporte de R$ 800 milhões, elevando o patrimônio líquido para aproximadamente R$ 2 bilhões.
O padrão que ninguém quer ver
A defesa do Banco Master está construindo um argumento que pode causar dores de cabeça enormes para o Banco Central. Se conseguir provar que há um padrão de problemas no mercado de títulos de crédito, mas que apenas o Master foi punido, isso pode configurar tratamento desigual por parte do regulador. Não é uma questão de defender o Master, mas de questionar os critérios do Banco Central.
O ponto central da investigação são os contratos de crédito falsos. A investigação apura um suposto esquema de emissão e negociação de títulos de crédito sem lastro, conhecidos no mercado como “títulos podres”, com prejuízos estimados em até R$ 12,2 bilhões. Mas se essa prática está espalhada pelo sistema bancário, como sugerem os críticos, então o problema é muito maior do que um banco isolado.
A questão técnica é fundamental aqui. Títulos de crédito são contratos que representam empréstimos reais entre bancos e clientes. Quando você financia um carro ou faz um empréstimo consignado, esse contrato pode ser vendido pelo banco a outras instituições. O problema surge quando esses contratos são criados sem lastro real – ou seja, empréstimos que nunca existiram, mas que circulam no mercado como se fossem verdadeiros.
Se empresas especializadas estão criando esses “títulos podres” em larga escala, como apontam as investigações, então vários bancos podem estar envolvidos sem necessariamente saber. A diferença é que o Master, segundo o Banco Central, sabia que os títulos eram falsos e os usou conscientemente na tentativa de venda para o BRB.
A conexão política que complica tudo
Lima tem relações com vários políticos, incluindo Rui Costa e o senador Jaques Wagner (PT-BA), além de ser próximo de pessoas do lado oposto do espectro político, como o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, vice-presidente do União Brasil. Essas conexões políticas não são coincidência. O mercado de crédito consignado para servidores públicos depende fundamentalmente de acordos com governos.
Em janeiro do ano passado, Lima se casou com Flávia Peres, ex-ministra do governo Bolsonaro, ex-deputada federal e ex-mulher do ex-governador do DF José Roberto Arruda. Ele e a mulher criaram a ONG Terra Firme, presidida por ela, com objetivo de combater a pobreza e as desigualdades sociais. O networking político é parte essencial do negócio bancário no Brasil.
O CredCresta, produto criado por Lima, exemplifica essa dinâmica. O Master incorporou o Credcesta em 2019, e Lima tornou-se sócio de Vorcaro no banco, onde foi CEO. O cartão passou a ser um dos principais produtos do varejo, com foco em crédito consignado, considerado de menor risco. A operação vinha dobrando de tamanho nos últimos três anos. Crescimento acelerado com base em convênios com governos.
Quando o governo é seu principal cliente através de convênios, as relações políticas não são apenas úteis – são essenciais. Isso explica por que tantos bancos de médio porte no Brasil têm executivos com trânsito político. Mas também explica por que é tão difícil separar problemas técnicos de influências políticas no sistema bancário.
TCU entra em cena questionando competência
O Banco Central deverá apresentar defesa ao Tribunal de Contas da União (TCU), para executar a liquidação extrajudicial do Banco Master, do empresário Daniel Vorcaro. A autarquia monetária deve responder à Corte de Contas até às 12h desta sexta-feira (26), conforme determinação do ministro do TCU, Jhonatan de Jesus. Mas aqui surge uma questão técnica importante: o TCU tem competência para questionar decisões do Banco Central sobre bancos privados?
O BC deverá explicar os motivos que levaram à liquidação do banco de Vorcaro, uma medida considerada precipitada pelo magistrado. A Corte de Contas cogita que o órgão regulador pode ter demorado para buscar alternativas de mercado para o Banco Master. O argumento do TCU é que o Banco Central deveria ter considerado soluções menos onerosas para o Fundo Garantidor de Créditos.
Cálculos preliminares de analistas do mercado financeiro indicam que a captação total do FGC é de cerca de R$ 120 bilhões, enquanto os custos com a liquidação do Master podem variar de R$ 40 a R$ 50 bilhões — cerca de um terço de todo o fundo. Ainda não há dados oficiais sobre esses valores. É o maior resgate da história do FGC, o que justifica a preocupação do TCU com os custos.
Mas a interferência do TCU em decisões técnicas do Banco Central cria um precedente perigoso. Se tribunais de contas podem questionar liquidações bancárias baseadas em critérios de custo, isso pode paralisar a ação do regulador em futuras crises. O BC precisa de autonomia para tomar decisões rápidas quando há risco sistêmico.
O que realmente separa o Master dos outros
A diferença fundamental, segundo o Banco Central, não está na situação financeira dos bancos, mas na conduta de seus controladores. No caso do Master, o BC identificou indícios de emissão fraudulenta de títulos. Não é apenas ter problemas financeiros – é deliberadamente enganar o sistema.
O Banco Pleno, apesar das conexões com o Master através de Augusto Lima, reafirmou seu compromisso com ética, transparência e conformidade regulatória, esclarecendo que não é alvo da Operação Compliance Zero e não há participação da instituição nos fatos apurados. A diferença legal é clara: estar mal das finanças é uma coisa, falsificar documentos é outra muito diferente.
O mesmo vale para o Digimais. A instituição possui 7 filiais, mais de 100 mil clientes e reportou lucro de quase 1 bilhão de reais em 2016. Pode ter problemas operacionais, mas não há acusações de falsificação de contratos como no caso Master.
Mas isso não impede que a defesa do Master use esses casos para questionar os critérios do Banco Central. Se conseguir provar que há bancos em situação financeira similar ou pior operando normalmente, pode argumentar que a liquidação foi desproporcional ou politicamente motivada.
O risco real para o sistema bancário
O caso Master expõe uma vulnerabilidade estrutural do sistema bancário brasileiro: a dependência excessiva de títulos de crédito como garantia entre instituições. A decretação da liquidação extrajudicial da instituição pelo Banco Central após identificar indícios de emissão fraudulenta de títulos deve custar até R$ 50 bilhões ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC). É um custo alto demais para ser ignorado.
Se existem empresas especializadas em criar títulos falsos, como sugerem as investigações, então o problema vai muito além do Master. Outros bancos podem estar inadvertidamente negociando esses papéis, criando um risco sistêmico que ainda não foi completamente mapeado pelo Banco Central.
Embora especialistas avaliem como baixo o risco de crise sistêmica que atinja todo o mercado financeiro, a liquidação enfraquece a confiança em bancos de médio porte e levanta dúvidas sobre a capacidade do FGC de absorver impactos futuros de magnitude similar. O conglomerado Master detém 0,57% do ativo total e 0,55% das captações totais do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
A preocupação não é apenas com o Master, mas com o efeito dominó que sua liquidação pode causar. Bancos médios dependem muito mais da confiança dos depositantes do que grandes bancos. Se a percepção de risco aumentar, pode haver corrida bancária em outras instituições.
O Banco Central está numa situação delicada: precisa demonstrar rigor na fiscalização, mas sem causar pânico no mercado. A acareação do dia 30 de dezembro pode ser decisiva para definir se o caso Master foi uma ação cirúrgica ou o início de uma operação mais ampla no sistema bancário.
Lição para investidores e depositantes
Para quem tem dinheiro em bancos médios, o caso Master ensina algumas lições importantes. Quantias até R$ 250 mil por Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) serão pagas pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC). A cobertura segue o limite de R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por conglomerado financeiro, incluindo o montante investido e os rendimentos acumulados até a data da liquidação.
O problema surge para quem tem mais de R$ 250 mil em uma única instituição. Se a pessoa tem R$ 1 milhão em CDB do Banco Master, por exemplo, ela precisa se habilitar no FGC, que paga rápido os primeiros R$ 250 mil, mas para o excedente, precisa entrar na lista de credores em processo que pode durar mais de 10 ou 15 anos. É um risco alto demais para qualquer investidor sensato.
A corrida por rentabilidade não pode ignorar os fundamentos da instituição financeira. O banco cresceu aceleradamente oferecendo CDBs com rendimentos muito acima do mercado, acumulando cerca de R$ 62 bilhões em depósitos de pessoas físicas, principalmente ligados à renda fixa. Quando um banco oferece juros muito acima do mercado, é preciso perguntar: de onde vem essa capacidade de pagamento?
O Banco Central tem instrumentos para fiscalizar, mas nem sempre consegue detectar fraudes sofisticadas a tempo. O modelo gerou um descasamento perigoso entre dívidas de curto prazo e ativos de longo prazo, tornando a operação insustentável. Com a liquidação, o Banco Central impediu um colapso ainda maior no sistema financeiro. A lição é clara: diversificação não é opcional, é obrigatória.
A acareação marcada para o final do ano pode revelar se o Banco Central agiu corretamente ou se outros bancos também deveriam ter sido liquidados. Independente do resultado, o caso Master já mudou a percepção de risco sobre bancos médios no Brasil. E isso, paradoxalmente, pode ser positivo para o sistema financeiro a longo prazo.
Afinal, um mercado onde investidores fazem suas escolhas baseadas em fundamentos sólidos, e não apenas em promessas de rentabilidade, é um mercado mais estável e confiável. O preço dessa lição foi alto: bilhões de reais do FGC e a confiança abalada de milhões de investidores. Mas talvez seja o preço necessário para um sistema bancário mais transparente e seguro.
Resta saber se as autoridades vão aproveitar essa crise para fortalecer a regulação, ou se vão apenas apagar o incêndio e esperar o próximo caso aparecer. A resposta a essa pergunta pode definir o futuro do sistema bancário brasileiro nas próximas décadas.

