
O Banco Central avalia entrar com mandado de segurança no STF para tentar barrar a participação do diretor de Fiscalização Ailton de Aquino na acareação determinada pelo ministro Dias Toffoli sobre o caso Banco Master. A audiência está marcada para terça-feira, 30 de dezembro, em pleno recesso do Judiciário.
Nota editorial: Este conteúdo tem caráter analítico e opinativo, baseado em debates públicos e fontes abertas. Não afirma como fatos comprovados condutas ilegais ou ilícitas. Seu objetivo é promover reflexão crítica sobre temas de interesse público.
A decisão polêmica que gerou reação do BC
O ministro Dias Toffoli manteve a acareação determinada no inquérito que apura irregularidades envolvendo o Banco Master, rejeitando os embargos de declaração apresentados pelo BC. A audiência reunirá Daniel Vorcaro, sócio do Banco Master, Paulo Henrique Costa, ex-presidente do BRB, e Ailton de Aquino, diretor de Fiscalização do Banco Central.
A medida gera forte resistência do BC e da PGR. A decisão de Toffoli desagradou integrantes da Procuradoria-Geral da República e do BC, que a consideram “atípica”. O próprio PGR, Paulo Gonet, chegou a pedir a suspensão da audiência sob o argumento de que seria “prematura”, mas a solicitação foi rejeitada pelo ministro do STF.
O caso envolve investigação de fraudes financeiras que podem ter movimentado R$ 17 bilhões por meio da emissão de títulos de créditos falsos. O valor impressiona pela magnitude, mas o que mais chama atenção é o timing da decisão.
Uma das dúvidas levantadas é sobre o motivo da urgência para a audiência, uma vez que será realizada durante o recesso do Judiciário, logo no início da investigação e antes de qualquer depoimento ter sido prestado. O magistrado justificou a urgência devido ao grande impacto que o caso tem no sistema financeiro brasileiro.
Mandado de segurança: a única alternativa que restou
Segundo a Folha, o BC deve entrar com mandado de segurança no STF contra a participação de Ailton de Aquino na acareação. A estratégia era esperada após o fracasso dos embargos de declaração.
O mandado de segurança é o instrumento jurídico adequado quando uma autoridade toma decisão considerada inadequada. Neste caso, outro ministro do STF analisará se Toffoli agiu dentro da legalidade ao determinar a acareação.
Resta saber qual ministro será sorteado para analisar o recurso. Se cair com Alexandre de Moraes ou Gilmar Mendes, dificilmente o BC conseguirá reverter a situação. Ambos têm histórico de apoiar decisões polêmicas de seus colegas.
A distribuição aleatória dos processos no STF sempre gera questionamentos. Coincidentemente, muitos casos sensíveis acabam com os mesmos ministros, criando desconfiança sobre o real funcionamento do sistema de sorteio.
Por que uma acareação sem depoimentos prévios não faz sentido
Especialistas apontam que a acareação neste momento é “inusual”, porque esse procedimento é normalmente utilizado para dirimir dúvidas sobre versões controversas dos depoimentos. Uma acareação serve para confrontar versões.
A lógica jurídica é simples: primeiro colhe-se os depoimentos individuais, depois se analisa as contradições e, só então, se faz a acareação. Começar pela acareação é inverter completamente o processo investigativo.
Como o STF assumiu o inquérito há menos de um mês, investigadores avaliam que o ideal seria colher mais elementos antes de confrontar as partes envolvidas. A pressa demonstra outros interesses por trás da decisão.
Não existe justificativa técnica ou jurídica para realizar a audiência entre Natal e Ano Novo. Qualquer procedimento poderia aguardar o fim do recesso, respeitando o devido processo legal e permitindo melhor preparação de todas as partes.
O BC na linha de tiro: testemunha ou futuro investigado?
O Banco Central havia recorrido ao STF alegando falta de clareza sobre a condição em que Ailton de Aquino foi convocado para a acareação — se como testemunha, investigado ou pessoa ofendida — e sobre a possibilidade de acompanhamento por advogado.
Toffoli esclareceu que o diretor não é investigado nem o BC, definindo-os como “terceiros interessados”. Mas essa definição pode mudar rapidamente durante a audiência, criando uma armadilha processual.
Testemunhas têm obrigação de falar a verdade, mas também podem se tornar investigadas a qualquer momento. É uma posição juridicamente vulnerável que coloca o diretor do BC em situação delicada.
Internamente, técnicos do BC avaliam que a decisão pode colocar fiscalizador e fiscalizados na mesma condição jurídica. Isso subverte a lógica do sistema financeiro, onde o regulador deve manter independência técnica.
Os bastidores do caso que movimentou R$ 17 bilhões
Os três serão ouvidos porque Vorcaro tentou vender o Master para o banco BRB, estatal do governo do Distrito Federal (DF), em operação vetada pelo BC em setembro. Dois meses depois, Vorcaro foi preso, e o BC decretou a liquidação do Master em meio a suspeitas de operações fraudulentas na casa de R$ 12 bilhões.
O caso passou ao STF após decisão do ministro de acolher o pedido da defesa de Vorcaro, justificada pela citação de um deputado federal que tem foro privilegiado. Conveniente mudança de jurisdição que tirou o caso da primeira instância.
Há indícios que apontam para um esquema de geração de créditos falsos para inflar ativos do Master. A acareação marcada pretende esclarecer as versões e permitir o confronto direto entre Vorcaro e o diretor do Banco Central.
O histórico recente mostra que quando casos complexos sobem ao STF, frequentemente há mudanças de rumo favoráveis aos investigados. A transferência de jurisdição pode ser estratégica para quem busca reverter decisões técnicas já tomadas.
Precedente perigoso para a autonomia do Banco Central
A decisão de Toffoli cria precedente grave para a independência do BC. Se diretores podem ser chamados para “esclarecer” decisões técnicas em ambiente de pressão, a autonomia da instituição fica comprometida.
O BC tem função constitucional de regulação e fiscalização do sistema financeiro. Suas decisões devem ser baseadas em critérios técnicos, não em conveniências políticas ou pressões externas.
Quando o Judiciário passa a questionar rotineiramente as decisões do regulador, cria-se insegurança jurídica que prejudica todo o sistema. Investidores precisam de regras claras e instituições confiáveis.
A convocação de Ailton de Aquino pode ser interpretada como intimidação ao BC. Se o diretor ceder a pressões ou mudar posições técnicas, estabelece-se perigoso precedente de subordinação do regulador ao Poder Judiciário.
O que está realmente em jogo no caso Master
Por trás da discussão jurídica, há interesses econômicos gigantescos. A liquidação do Banco Master e o veto à venda para o BRB representaram bilhões em perdas para os envolvidos.
A acareação pode ser tentativa de reverter decisões já tomadas pelo BC. Se Ailton de Aquino for pressionado a mudar de posição, toda a operação de liquidação pode ser questionada.
O timing da audiência, em pleno recesso e sem depoimentos prévios, sugere urgência política, não jurídica. Alguém tem pressa em resolver a situação antes que mais evidências sejam coletadas.
A resistência do BC e da PGR demonstra que as instituições técnicas reconhecem a irregularidade do procedimento. Quando órgãos especializados questionam uma decisão judicial, é sinal de que algo não está certo.
O caso Banco Central contra Toffoli revela mais que uma disputa jurídica específica. Mostra embate entre instituições técnicas e decisões políticas disfarçadas de jurídicas. O Banco Central, órgão responsável pela estabilidade do sistema financeiro, se vê obrigado a recorrer ao próprio STF para defender sua independência técnica. É paradoxo que expõe as contradições do sistema brasileiro, onde a separação de poderes frequentemente se confunde com sobreposição de interesses. A decisão sobre o mandado de segurança dirá muito sobre o futuro da autonomia regulatória no país.
Diante de tudo isso, a pergunta que fica é: até quando nossas instituições técnicas conseguirão resistir às pressões políticas?


