
Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foi preso na madrugada desta sexta-feira (26) no Aeroporto Internacional Silvio Pettirossi, em Assunção, no Paraguai. Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 24 anos e 6 meses de prisão por suposta participação na trama golpista de 2022, Vasques tentava embarcar em um voo para El Salvador quando foi capturado. Ele utilizava um passaporte paraguaio original, mas com informações de outra pessoa, configurando o uso de documento falso que motivou sua prisão pelas autoridades locais.
Nota editorial: Este conteúdo tem caráter analítico e opinativo, baseado em debates públicos e fontes abertas. Não afirma como fatos comprovados condutas ilegais ou ilícitas. Seu objetivo é promover reflexão crítica sobre temas de interesse público.
A operação que resultou na prisão
A detenção ocorreu após Vasques romper a tornozeleira eletrônica que utilizava por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Houve um aviso de rompimento do equipamento de monitoramento, o que acionou alertas automáticos nas fronteiras, segundo autoridades brasileiras. As autoridades brasileiras comunicaram imediatamente os países vizinhos, como Colômbia, Paraguai e Argentina, sobre a tentativa de fuga.
O ex-diretor saiu de Santa Catarina, onde estava em prisão domiciliar, e cruzou a fronteira terrestre até o Paraguai. Informações preliminares indicam que ele rompeu a tornozeleira eletrônica e saiu de Santa Catarina em direção ao país vizinho por via terrestre, cruzando a fronteira de forma irregular. A facilidade de entrada no Paraguai, onde não há verificação rigorosa na fronteira para brasileiros, permitiu sua chegada ao aeroporto de Assunção.
A captura ocorreu quando ele tentava embarcar em um voo com destino a El Salvador. O uso de um documento de identidade falso foi fator determinante para sua prisão em flagrante pelas autoridades paraguaias. A polícia do aeroporto percebeu que a identidade era falsa e, após questionamento, o próprio Vasques confessou estar usando documentos fraudulentos.
A operação contou com cooperação internacional. A violação do monitoramento foi identificada pelas forças de segurança, que acionaram alertas de fronteira e a adidância policial brasileira no Paraguai. Este mecanismo de cooperação entre países do Mercosul torna extremamente difícil qualquer tentativa de fuga por vias oficiais, especialmente através de aeroportos.
A condenação que motivou a fuga
Vasques foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a uma pena de 24 anos e 6 meses de prisão em dezembro de 2025. A sentença foi baseada em sua participação na trama golpista que tentou manter o ex-presidente Jair Bolsonaro ilegalmente no poder após a derrota eleitoral em 2022. A condenação está relacionada à sua atuação durante as eleições de 2022, especificamente no segundo turno.
Segundo a acusação, Vasques participou de um grupo que coordenou o emprego das forças policiais para sustentar a permanência ilegítima de Bolsonaro, ordenando que agentes da PRF realizassem blitzes com o objetivo de dificultar o trânsito de eleitores do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Relatos de testemunhas apontam que ele teria afirmado que “era hora de a PRF tomar um lado”, sugerindo alinhamento político da instituição.
A Procuradoria-Geral da República destacou ainda que Vasques participou da reunião de 19 de outubro de 2022, na qual foi discutido o uso de operações da PRF para impedir o voto de eleitores no segundo turno. Os ministros também destacaram a “inércia criminosa” durante os bloqueios feitos por caminhoneiros após o resultado das urnas, exigindo ordem expressa do STF para desobstrução das vias.
É importante notar que essa condenação se soma a outras sanções. Antes disso, Silvinei já havia sido condenado pela Justiça Federal do Rio de Janeiro por uso político da estrutura da corporação durante a campanha eleitoral de 2022, resultando em multa superior a R$ 500 mil. As múltiplas condenações criaram um cenário jurídico extremamente desfavorável para o ex-diretor.
A trajetória na PRF e as polêmicas
Natural de Ivaiporã, no interior do Paraná, Vasques ingressou na PRF em 1995 e fez parte da corporação por 27 anos, recebendo aposentadoria voluntária integral em dezembro de 2022. Durante o governo Jair Bolsonaro, chefiou a PRF assumindo o cargo de diretor geral em abril de 2021, após Anderson Torres ser nomeado para o Ministério da Justiça.
Durante sua gestão na PRF, Vasques não escondeu o apoio ao ex-presidente. Ele utilizou suas redes sociais para incentivar votos em Bolsonaro durante as eleições de 2022, publicando fotos ao lado do então presidente acompanhadas de mensagens de agradecimento. Críticos apontam que houve uso indevido dos símbolos da PRF para propaganda política, o que é vedado por lei.
As operações da PRF no dia das eleições de 2022 geraram intensa polêmica. Ele teria organizado blitzes nas rodovias federais, de modo a prejudicar o deslocamento de eleitores, principalmente nas regiões de maior apoio ao PT, como o Nordeste. Defensores argumentam que tais operações são rotineiras em períodos eleitorais para coibir o transporte irregular de eleitores. Críticos, no entanto, sustentam que a intensidade e localização das blitzes teve motivação política.
A atuação de Vasques durante os bloqueios pós-eleitorais também foi questionada. O STF mencionou a “inércia criminosa” da direção durante bloqueios de rodovias, indicando que tanto ações quanto omissões podem gerar responsabilização penal. Essa conduta omissiva teria facilitado as manifestações que questionaram o resultado das urnas.
O sistema de monitoramento eletrônico
Vasques foi preso preventivamente em agosto de 2023 e passou um ano detido até o ministro Alexandre de Moraes lhe conceder liberdade provisória mediante o cumprimento de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. Ele obteve liberdade em agosto de 2024 por decisão do ministro Alexandre de Moraes, com imposição de medidas cautelares, incluindo o cancelamento de seu passaporte.
A busca pelo ex-diretor começou quando a Polícia Federal identificou que a tornozeleira eletrônica de Silvinei estava sem sinal de GPS e GPRS, possivelmente por falta de energia. Os policiais foram até sua residência, em São José (SC), mas não o encontraram. O rompimento do equipamento acionou automaticamente os protocolos de segurança.
Este caso expõe as limitações do sistema de monitoramento eletrônico. Embora a tornozeleira seja uma alternativa à prisão, ela depende da colaboração do monitorado e pode ser violada. A rapidez com que os alertas foram acionados e a cooperação internacional foi mobilizada mostra que o sistema, apesar das falhas, tem mecanismos de resposta.
O fato de Vasques ter conseguido cruzar a fronteira mesmo com os alertas acionados revela vulnerabilidades na fiscalização das fronteiras terrestres brasileiras. A expectativa é que ele seja expulso do Paraguai e retorne ao Brasil pela Ponte da Amizade, entre Cidade do Leste e Foz do Iguaçu, seguindo os protocolos de extradição.
Comparações com outros casos de fuga
O caso de Vasques pode ser comparado com outras tentativas de fuga envolvendo investigados nos inquéritos do STF. Alguns conseguiram deixar o país usando passaportes regulares antes que fossem cancelados. O ex-deputado Ramagem, por exemplo, conseguiu viajar usando seu passaporte diplomático ainda válido, saindo pela Guiana rumo aos Estados Unidos.
A diferença fundamental é que Vasques tentou usar documentos falsos, o que configura crime adicional e torna a situação muito mais grave do ponto de vista jurídico. Segundo o diretor da PF, Vasques usava um passaporte paraguaio original que não correspondia à sua identidade. Esta estratégia, além de arriscada, criou evidências adicionais contra ele.
Outros investigados conseguiram sair pelo Paraguai e Argentina anteriormente, mas utilizando documentos próprios e em momentos em que não havia alertas específicos. Segundo a decisão do STF, ele integrava o “núcleo 2” da organização criminosa e atuou para monitorar autoridades e impedir a votação de eleitores, o que aumentou a vigilância sobre seus movimentos.
O timing da tentativa de fuga também foi desfavorável. Poucos dias após ter sido condenado a 24 anos e seis meses de prisão, ele pediu exoneração do cargo de secretário em São José e rompeu o monitoramento eletrônico. Esta sequência de eventos chamou atenção das autoridades e facilitou a mobilização da cooperação internacional.
Impactos políticos e jurídicos
A tentativa de fuga de Vasques tem consequências que vão além de seu caso individual. Horas depois da prisão, o ministro Alexandre de Moraes determinou a conversão das medidas cautelares impostas a Silvinei em prisão preventiva. Esta decisão sinaliza que tentativas de fuga resultam automaticamente no endurecimento das medidas judiciais.
Para outros investigados nos inquéritos relacionados ao 8 de janeiro e à trama golpista, o caso serve como precedente negativo. A fuga malsucedida pode prejudicar pedidos de liberdade condicional ou progressão de regime de outros réus, já que demonstra o risco de evasão. A atuação da corporação em 2022, sob comando de Silvinei, já vinha sendo examinada por órgãos de controle, e este episódio adiciona mais elementos à discussão.
Do ponto de vista institucional, para a PRF, o caso pode servir de exemplo em debates internos sobre limites de atuação e responsabilidade de comando em operações que impactam o direito de voto. A corporação precisa reforçar protocolos para evitar que operações policiais sejam instrumentalizadas politicamente.
A cooperação internacional no caso também demonstra a eficácia dos acordos entre países do Mercosul para combater a criminalidade transnacional. O procedimento padrão nesses casos é a expulsão do país, com a entrega formal do foragido para as autoridades brasileiras na fronteira, mostrando que fugir para países vizinhos não oferece proteção real.
A defesa e as próximas etapas
Em entrevista à CNN Brasil, um dos advogados de Silvinei, Eduardo Nostrani, disse que foi surpreendido com a tentativa de fuga e afirmou que vai buscar a redução de pena do ex-diretor da PRF. A defesa terá que lidar não apenas com a condenação original, mas também com as consequências jurídicas da tentativa de fuga e do uso de documentos falsos.
O uso de identidade falsa pode resultar em nova ação penal, adicionando mais anos à pena já aplicada. No direito penal brasileiro, a falsificação de documentos públicos é crime grave, com penas que podem chegar a 6 anos de prisão. Somado à tentativa de fuga, o quadro jurídico de Vasques se complicou significativamente.
A justiça paraguaia agora deve decidir sobre a extradição do ex-diretor da PRF ao Brasil. Após a detenção em Assunção, o ex-diretor da PRF foi colocado à disposição do Ministério Público do Paraguai. Dada a natureza dos crimes e os acordos bilaterais, a extradição é praticamente certa.
Para a defesa, resta tentar minimizar os danos da tentativa de fuga e focar na contestação da condenação original. Durante o julgamento, os advogados de Vasques sustentaram que ele não atuou para impedir o deslocamento de eleitores de Lula no segundo turno das eleições de 2022. No entanto, a fuga prejudica gravemente a credibilidade dessa linha de defesa.
A situação de Vasques ilustra como o sistema de justiça brasileiro lida com crimes políticos de alta complexidade. A pena de 24 anos é severa mesmo para padrões de crimes contra a democracia, refletindo a gravidade que o STF atribuiu aos eventos de 2022. Para os defensores do livre mercado, este caso levanta questões sobre o uso do aparato estatal em disputas políticas e os limites do poder de polícia.
O episódio também expõe as contradições de um sistema que permite que ex-dirigentes de órgãos federais sejam nomeados para cargos municipais mesmo enquanto respondem a processos criminais. Em janeiro de 2025, Vasques foi nomeado secretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação da Prefeitura de São José, em Santa Catarina, cargo do qual se exonerou após a condenação.
Diante de tudo isso, o caso de Silvinei Vasques serve como um lembrete de que as instituições democráticas, mesmo quando imperfeitas, têm mecanismos de defesa. A tentativa de instrumentalizar a Polícia Rodoviária Federal para fins políticos encontrou resistência no sistema de justiça, e a fuga malsucedida demonstra que nem mesmo a cooperação internacional pode ser burlada facilmente. Resta saber se este episódio fortalecerá os protocolos institucionais para evitar que órgãos de segurança sejam novamente utilizados em disputas eleitorais.

