
O escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, mantinha um contrato com o Banco Master estimado em R$ 129 milhões. Enquanto isso, o ministro do STF procurou o presidente do Banco Central Gabriel Galípolo ao menos quatro vezes para interceder a favor da mesma instituição financeira. Que coincidência interessante, não é mesmo?
Nota editorial: Este conteúdo tem caráter analítico e opinativo, baseado em debates públicos e fontes abertas. Não afirma como fatos comprovados condutas ilegais ou ilícitas. Seu objetivo é promover reflexão crítica sobre temas de interesse público.
A mesma resposta de sempre: “tempestade em copo d’água”
Quando o escândalo do Banco Master veio à tona, alguns ministros do STF usaram exatamente as mesmas palavras que já tinham usado antes. Segundo reportagem do Estadão, Moraes chegou a ligar seis vezes para Galípolo em um só dia para tratar da venda do Banco Master ao BRB. A resposta dos colegas de Moraes? “Tempestade em copo d’água”.
O mais impressionante é que essa expressão não é novidade. Durante o escândalo da Vaza Jato, em agosto de 2024, os mesmos ministros classificaram as revelações sobre Moraes da mesma forma. Uma coincidência que beira o cômico, se não fosse tão reveladora.
Enquanto isso, técnicos da autarquia identificaram irregularidades em um repasse de aproximadamente 12,2 bilhões de reais em créditos do Master para o BRB, classificados como suspeitos. Mas claro, para os ministros do STF, R$ 12,2 bilhões em operações suspeitas não passam de “tempestade em copo d’água”.
A estratégia é sempre a mesma: minimizar, desqualificar e esperar que a população esqueça. Funcionou com a Vaza Jato. Será que funcionará agora?
R$ 129 milhões por mês: o negócio da família
O escritório de advocacia Barci de Moraes firmou um contrato com o Banco Master estimado em R$ 129 milhões, com pagamentos previstos de cerca de R$ 3,6 milhões por mês ao longo de três anos. Para ter uma ideia do valor, isso representa quase R$ 45 milhões por ano – mais do que muitas empresas faturam.
Não é qualquer advogado que consegue contratos dessa magnitude. Viviane Barci de Moraes não é uma advogada qualquer – é esposa do ministro mais poderoso do STF atual. O contrato do Master com a mulher do ministro previa a atuação justamente na defesa dos interesses da instituição e de Daniel Vorcaro no Banco Central, além da Receita do Cade e do Congresso Nacional.
Ou seja: a esposa do ministro ganhava R$ 3,6 milhões por mês para defender os interesses do Banco Master exatamente nas instituições onde seu marido tem influência direta ou indireta. Que coincidência fantástica.
Quando o Estado se mistura com negócios privados dessa forma, o resultado é sempre o mesmo: quem paga a conta é o cidadão comum, enquanto a elite se beneficia mutuamente.
Seis ligações em um dia: a pressão que “não existiu”
A versão oficial de Alexandre de Moraes mudou várias vezes. Em novo comunicado divulgado na noite desta terça-feira (23), Moraes disse que “inexistiu qualquer ligação telefônica entre ambos, para esse ou qualquer outro assunto”. Mas as evidências apontam em direção contrária.
Segundo a reportagem de O Estado de S. Paulo, a série de telefonemas seria parte de uma de ao menos cinco conversas entre Moraes e Galípolo sobre o Master. A informação foi obtida pelo jornal com pessoas do meio jurídico e do mercado financeiro que ouviram relatos de um dos envolvidos.
O ministro primeiro negou as ligações. Depois admitiu reuniões, mas disse que foram sobre outros assuntos. O magistrado confirmou a realização de duas reuniões com Galípolo, em 14 de agosto e 30 de setembro. Segundo ele, os encontros tinham como objetivo tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky.
Que conveniente: justo quando o Banco Master estava sob análise do Banco Central, Moraes precisava se reunir com Galípolo para falar de outros assuntos. E sua esposa, por acaso, tinha um contrato milionário com o mesmo banco. Coincidências que se acumulam de forma quase milagrosa.
A Lei Magnitsky como álibi perfeito
A defesa de Moraes se baseia numa justificativa simples: os encontros não tiveram como pauta a venda do Master ao BRB, mas sim as sanções impostas a ele pelos Estados Unidos por meio da Lei Magnitsky, que congelou suas movimentações financeiras entre julho e dezembro de 2025.
Segundo esta versão, a gravidade das sanções americanas exigiu reuniões com os presidentes das maiores instituições financeiras do país, incluindo o Banco do Brasil e o Itaú, além de entidades como a Febraban. Uma explicação quase convincente, se não fosse por alguns detalhes inconvenientes.
Primeiro: por que justamente o presidente do Banco Central precisa ser procurado diversas vezes para tratar de sanções americanas? Segundo: por que essas conversas não aparecem nas agendas oficiais de nenhum dos envolvidos? Apesar de tanto o gabinete de Moraes quanto o Banco Central terem confirmado o encontro, a reunião não consta na agenda oficial nem de Gabriel Galípolo nem dos demais integrantes da diretoria do banco.
Terceiro e mais importante: a medida só foi revogada em 12 de dezembro, após negociações diretas entre o presidente Lula e Donald Trump. Se o problema foi resolvido por Lula diretamente com Trump, por que Moraes precisava pressionar Galípolo?
Os três mosqueteiros do STF em ação
A defesa de Moraes não veio apenas dele próprio. O Banco Central corroborou a versão do magistrado em um curto comunicado: “O BC confirma que manteve reuniões com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, para tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky”. O presidente do BC, Gabriel Galípolo, tem afirmado a interlocutores que as conversas com Moraes foram “amistosas” e pautadas por critérios técnicos.
Mas o apoio mais revelador veio de onde sempre vem: dos colegas de Moraes no STF. Como menciona a transcrição, são sempre os mesmos três nomes que aparecem nessas situações: Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Eles formam uma espécie de “trinca” que se protege mutuamente. Quando um está em apuros, os outros saem em defesa usando exatamente as mesmas palavras e argumentos. É um padrão que se repete há anos.
O mais irônico é o argumento usado para defender Moraes: que ele e Galípolo “não são pressionáveis”. Ora, se eles se consideram acima de qualquer pressão, isso deveria ser motivo de preocupação, não de tranquilidade. Poder sem controle é sempre perigoso.
Vaza Jato versus Banco Master: dois pesos, duas medidas
A comparação é inevitável e reveladora. Na época da Vaza Jato, o STF anulou todo o processo contra Lula com base em mensagens entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato. As mensagens mostravam conversas sobre estratégias processuais, mas nada que configurasse crime.
Mesmo assim, o STF considerou que havia parcialidade suficiente para anular anos de investigação. O resultado? Lula voltou a ter direitos políticos e pôde concorrer em 2022.
Agora, quando surgem evidências de que um ministro do STF procurou o presidente do Banco Central múltiplas vezes para tratar de um banco do qual sua esposa recebia R$ 3,6 milhões por mês, a reação é oposta: “tempestade em copo d’água”.
A diferença de tratamento é gritante. Quando convém aos interesses políticos dos ministros, qualquer suspeita vira motivo para anular processos inteiros. Quando os suspeitos são eles próprios, tudo vira “tempestade em copo d’água”.
A diferença crucial de 2025
Dois fatores importantes mudaram desde a época da Vaza Jato. Primeiro, desta vez a Globo não está em silêncio. A jornalista Malu Gaspar, do Globo, apurou que Moraes manteve ao menos quatro contatos com Galípolo, sendo três por telefone e um encontro presencial. Quando o maior grupo de mídia do país resolve falar, o alcance da notícia é muito maior.
Segundo, Bolsonaro já foi condenado e está inelegível. Na época da Vaza Jato, havia o interesse político em manter Moraes no STF porque ele era necessário para condenar Bolsonaro. Agora que isso já foi feito, não há mais essa necessidade estratégica.
Isso significa que a elite política de Brasília pode “queimar” Moraes sem grandes preocupações eleitorais. Ele cumpriu seu papel histórico e agora pode ser descartado, especialmente se estiver causando embaraços desnecessários.
Segundo interlocutores do governo e do mercado, Galípolo também admitiu ter sofrido pressão, mas afirmou que contou com o apoio do presidente Lula para não interromper a apuração. Até mesmo o governo Lula parece estar se distanciando de Moraes neste caso.
O que você pode fazer diante disso
A primeira lição é simples: quando o Estado se mistura com negócios privados, sempre há suspeitas legítimas. O desfecho ocorreu na segunda-feira (18), quando a Polícia Federal prendeu Daniel Vorcaro e outros seis executivos acusados de envolvimento nas fraudes. No mesmo dia, o Banco Central decretou a liquidação extrajudicial do Banco Master.
A segunda lição é que não existem autoridades intocáveis. Por mais poderoso que seja um ministro do STF, ele não está acima da lei nem da fiscalização da sociedade. Parlamentares da oposição começaram a articular pedidos de impeachment e a coleta de assinaturas para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
A terceira lição é sobre informação. Casos como este só vêm à tona quando existe imprensa livre e investigativa. A concentração de poder sempre tenta se esconder atrás do sigilo e do “argumento de autoridade”.
Você, como cidadão, tem o direito de questionar, cobrar transparência e exigir explicações. Nenhuma autoridade está acima do interesse público, por mais alto que seja o cargo que ocupa.
O sistema político brasileiro funciona quando há fiscalização. E fiscalização só existe quando a sociedade se interessa pelos detalhes do poder. Este caso do Banco Master é exatamente isso: os detalhes importam, e muito.
A pergunta que permanece é simples: se não há nada errado, por que tanto sigilo? Se não há conflito de interesses, por que tantas versões diferentes? E se realmente é só “tempestade em copo d’água”, por que R$ 129 milhões em contratos justamente com a família do ministro que intercedeu pelo banco?
Diante de tantas coincidências convenientes, será que ainda devemos acreditar em coincidências?

