
O Brasil de 2025 não é mais a famosa “Belíndia” dos anos 70. Segundo análise do gestor Daniel Goldberg, da Lume Capital, o país agora é um “Réxico” – uma mistura explosiva da corrupção sistêmica russa no topo do poder com a violência descontrolada das gangues mexicanas na base da sociedade. Uma transformação que expõe como o Estado brasileiro perdeu o controle tanto da lei quanto do território.
A velha analogia da “Belíndia”, criada em 1974 por Edmar Bacha, falava de um país dividido entre uma pequena Bélgica rica cercada por uma imensa Índia pobre. O foco era a desigualdade social. Hoje, o problema vai muito além: é a completa dissolução do Estado de Direito em favor de um sistema baseado em favores, subornos e proteção.
O que mudou não foi apenas a geografia da pobreza, mas a natureza do poder no Brasil. Saímos de um país desigual para uma nação onde a lei simplesmente não existe na prática.
A corrupção virou sistema de governo
Na Rússia, existe um conceito informal chamado “cricha” ou “telhado” – uma cobertura de proteção que os empresários pagam para ter previsibilidade e segurança. No Brasil de 2025, esse modelo se consolidou. Como revela reportagem do jornalista Lauro Jardim, empresários brasileiros admitem contratar advogados ligados a ministros do Supremo Tribunal Federal “por prevenção”.
Não é coincidência. Quem paga mensalidade para o escritório de Alexandre de Moraes tem previsibilidade, proteção contra perseguições, aviso prévio de problemas e capacidade de bloquear adversários. Quem não paga fica à própria sorte. É exatamente como funciona na Rússia de Putin, onde grandes empresários pagam tributo pessoal ao ditador para manter seus negócios.
O sistema judicial brasileiro se transformou numa máquina de extorsão legalizada. A lei perdeu qualquer valor objetivo. O que importa não é o que está escrito no código, mas quem você conhece e quanto está disposto a pagar.
Essa corrupção sistêmica tem raízes profundas. O Congresso brasileiro cria leis em excesso, mas com princípios vagos que permitem interpretações subjetivas. Quando uma lei diz que deve “observar princípios dos direitos humanos”, na prática está dando poder total ao juiz para decidir o que quiser. É uma transferência deliberada do poder legislativo para o judiciário.
O Brasil que não aprendeu com a geografia
A comparação com a Rússia vai além da corrupção. Ambos os países enfrentam o mesmo desafio geográfico: territórios imensos sem infraestrutura adequada de transporte. A Rússia resolveu o problema construindo uma malha ferroviária que conecta todo o país. O Brasil escolheu o caminho da paralisia.
Os Estados Unidos se tornaram ricos também por conta da geografia favorável. O rio Mississippi funciona como um canal natural de navegação que permite ao centro-oeste americano exportar produtos desde 1800. O Brasil tem o potencial do Centro-Oeste agrícola, mas não tem como escoar a produção de forma eficiente.
A diferença é que a Rússia construiu “rios de aço” – ferrovias que conectam todo o território e dão poder militar ao país. O Brasil permanece refém de uma infraestrutura precária que inviabiliza economicamente a maior parte do território nacional.
Projetos como a Ferrogrão, que poderia revolucionar o escoamento da produção do Centro-Oeste, ficam travados por ambientalistas que preferem manter o país na pobreza. O argumento de que o trem vai “acordar os índios” é sintomático de um país que abriu mão do desenvolvimento.
Corrupção cultural: o jeitinho brasileiro russificado
Um depoimento impressionante de uma jovem russa revela como a corrupção se naturaliza numa sociedade. Ela só descobriu que a Rússia era corrupta depois de sair do país. Até então, achava normal os pais levarem presentes para professores resolverem problemas na escola – uma maçã aqui, uma bijuteria ali, sempre um “agrado” para fazer as coisas funcionarem.
No Brasil, o mecanismo é idêntico. Qualquer pessoa que precise resolver algo numa repartição pública sabe que um “presentinho” abre todas as portas. Não precisa ser dinheiro vivo – um whisky no Natal, uma lembrancinha, qualquer coisa que demonstre “boa vontade”. A máquina pública só funciona na base do favor pessoal.
Essa cultura da corrupção não é acidental. É a consequência natural de um sistema onde as pessoas não entendem o Estado como conjunto de leis a serem seguidas, mas como rede de amizades a serem cultivadas. Tem que ser amigo de fulano para conseguir isso, amigo de beltrano para conseguir aquilo.
O resultado é um país onde a lei não existe na prática. Qualquer comerciante sabe que se um fiscal quiser multá-lo, vai conseguir. Existem tantas leis, com tantos detalhes contraditórios, que é impossível estar 100% em conformidade. O fiscal escolhe quando aplicar a lei e quando fazer vista grossa.
México suburbano: quando o Estado perde o território
A parte “mexicana” da analogia refere-se à perda de controle territorial. Como no México, onde cartons dominam vastas regiões, o Brasil tem áreas controladas por facções como PCC e Comando Vermelho. O governo federal admite não ter autoridade efectiva em diversos territórios nacionais.
Essa perda de controle não é casual. É consequência direta da corrupção no topo. Um governo corrupto é necessariamente ineficiente. Quando o Estado só se move por interesses privados, deixa de cumprir suas funções básicas – principalmente a segurança pública.
As facções ocupam o espaço deixado pelo Estado. Impõem sua própria lei, cobram seus próprios tributos, administram territórios inteiros. É o resultado lógico de um Estado que perdeu legitimidade por conta da corrupção sistêmica.
O paralelo com o México é perturbador. Lá, cartéis controlam não apenas o tráfico, mas a vida social e econômica de regiões inteiras. Cobram impostos, decidem quem pode ou não fazer negócios, executam pessoas sem qualquer processo legal. O Estado mexicano simplesmente não existe em várias partes do país.
A Lava Jato como divisor de águas
A operação Lava Jato marcou um ponto de inflexão na história brasileira – mas não no sentido que se esperava. Em vez de limpar o sistema, a reação do establishment aprofundou a corrupção e a blindou de qualquer contestação futura.
O sistema político brasileiro perdeu o medo da população. Antes da Lava Jato, ainda existia algum constrangimento, alguma necessidade de dissimular a corrupção. Depois da operação, e principalmente após sua destruição, o sistema se sentiu livre para agir abertamente.
A criminalização dos procuradores da Lava Jato mandou um recado claro: quem tentar combater a corrupção será destruído. O resultado foi a institucionalização definitiva do sistema de proteção. Agora não é mais corrupção ocasional – é mensalidade regular paga para garantir imunidade.
O Brasil pós-Lava Jato é um país onde o sistema conseguiu dominar completamente a população. Não há mais risco de contestação efetiva. A corrupção deixou de ser crime para se tornar modelo de negócios do Estado brasileiro.
Terceiro mundo é terceiro mundo
A analogia do “Réxico” tem um problema: sugere que Brasil, Rússia e México são casos especiais. Na verdade, todos fazem parte da mesma categoria – países de terceiro mundo onde contratos não são respeitados e a lei não tem força real.
A diferença fundamental no mundo não é entre países ricos e pobres, mas entre países que respeitam contratos e países que não respeitam. Onde existe segurança jurídica real, há desenvolvimento. Onde tudo se resolve na base do favor pessoal, há estagnação.
Brasil, Rússia, México e a maior parte dos países em desenvolvimento sofrem do mesmo mal: não conseguiram criar instituições que funcionem independentemente das pessoas que as ocupam. O Estado funciona como propriedade privada de quem está no poder.
É por isso que esses países nunca conseguem sair da armadilha do subdesenvolvimento. Não importa quantos recursos naturais tenham, quão educada seja a população ou quão favorável seja a geografia. Sem respeito a contratos, não há como criar riqueza de forma sustentável.
O caminho da liberdade contratual
A solução para sair dessa armadilha passa necessariamente pela implementação de respeito real a contratos. Não basta ter leis bonitas no papel – é preciso que sejam aplicadas de forma objetiva, independente de quem seja o envolvido.
O libertarianismo oferece um caminho claro: reduzir drasticamente o poder do Estado e aumentar a liberdade individual. Quanto menor o poder concentrado, menor a chance de abuso. Quanto mais livre o mercado, menor a necessidade de corrupção para fazer negócios.
Um país realmente livre é aquele onde você não precisa conhecer ninguém para empreender, não precisa pagar propina para funcionar e não precisa contratar advogado de ministro para ter segurança jurídica. Onde a lei é igual para todos e os contratos são sagrados.
Não se trata de utopia, mas de escolhas práticas. Países que fizeram essas escolhas prosperaram. Países que não fizeram permanecem na pobreza e na violência, independentemente de suas outras características.
O Brasil de 2025 chegou a um ponto crítico. Ou escolhe o caminho da liberdade e do respeito a contratos, ou aceita definitivamente seu destino de “Réxico” – um país rico em recursos mas pobre em instituições, violento por conta da corrupção e estagnado por falta de segurança jurídica.
A pergunta que fica é: a sociedade brasileira tem coragem de fazer essa escolha, ou vai continuar aceitando viver num país onde tudo se resolve na base do favor e do suborno?


