
Os Estados Unidos lançaram a nova Estratégia de Segurança Nacional de 2025. O documento revela uma mudança radical na política externa americana. Trump decidiu abandonar o papel de líder global para focar apenas no “quintal” americano. A Europa e a Ásia ficam por conta própria.
A estratégia ressuscita a Doutrina Monroe do século XIX. Agora com o nome de “Corolário Trump”, o plano é simples: América Latina sob controle americano, resto do mundo que se vire. Para o Brasil, isso pode ser positivo. Para os aliados europeus, é uma traição histórica.
O documento oficial de 135 páginas estabelece prioridades claras. Primeira: manter o hemisfério ocidental estável para evitar imigração em massa. Segunda: combater cartéis e narcotráfico na região. Terceira: impedir interferência de potências estrangeiras nas Américas. Quarta: garantir acesso a recursos estratégicos.
Trump não esconde as intenções. Ele quer economizar recursos americanos focando apenas nas Américas. O problema é que essa economia de curto prazo pode custar muito caro no futuro. Os Estados Unidos construíram seu domínio global ao longo de décadas. Jogá-lo fora em nome do “America First” é uma aposta arriscada.
A ressurreição da Doutrina Monroe no século XXI
A Doutrina Monroe nasceu em 1823 quando os Estados Unidos ainda não eram superpotência. O presidente James Monroe queria separar as Américas da influência europeia. “América para os americanos” era o lema da época. Mais de 200 anos depois, Trump recupera essa visão isolacionista.
O “Corolário Trump” vai além da doutrina original. Ele estabelece que os Estados Unidos querem “um hemisfério ocidental estável e bem governado o suficiente para prevenir migrações em massa”. Tradução: vamos controlar a América Latina para que vocês não venham para cá.
A estratégia inclui cooperação contra narcotráfico e cartéis. Trump quer governos que “cooperem conosco contra narcotraficantes, cartéis e outras organizações criminosas transnacionais”. Também exige um hemisfério “livre de incursões hostis estrangeiras” e acesso a “locações estratégicas”.
Para o Brasil, isso representa oportunidade histórica. A Venezuela já aparece como prioridade no documento. Trump promete “cuidar da Venezuela” e “resolver o problema venezuelano”. A justificativa é não aceitar interferência de potências estrangeiras no quintal americano.
A Argentina de Milei já colhe os frutos dessa aproximação. A expectativa é que o Brasil também se beneficie caso Flávio Bolsonaro vença as eleições de 2026. A liderança americana mais à direita e menos socialista pode revolucionar as relações na região.
Mas há um preço para essa proteção. Os Estados Unidos querem controle total sobre recursos e posições estratégicas. A América Latina ganha segurança, mas perde autonomia. É o velho dilema: proteção em troca de subordinação.
Europa abandonada: críticas severas aos aliados históricos
O documento é brutal com a Europa. Trump critica severamente os aliados europeus, citando problemas com imigração e perda de “identidade ocidental”. Segundo a estratégia, é “possível que países europeus em breve serão controlados por não europeus”.
A teoria da “grande substituição” ganha destaque oficial. Trump argumenta que europeus têm poucos filhos enquanto cresce a população imigrante. É matemática pura: a composição demográfica europeia está mudando rapidamente. Isso não é teoria da conspiração, são números reais.
O documento questiona o papel da OTAN diante dessas mudanças. Se a Europa perde sua identidade civilizacional, por que os americanos devem defendê-la? É uma lógica cruel, mas coerente com a visão trumpista de que aliados devem se sustentar sozinhos.
A culpa pela guerra na Ucrânia também recai sobre a Europa. O documento adota posição “russete”, sugerindo que europeus provocaram o conflito. Para Trump, resolver essa guerra não é mais problema americano. A Europa que se vire com Putin.
Essa postura gera revolta nos círculos diplomáticos europeus. Décadas de aliança atlântica jogadas no lixo por causa de cálculos eleitorais domésticos. A Europa sempre pagou sua parte na segurança ocidental. Agora é tratada como fardo descartável.
O cinismo fica evidente na frase do documento: queremos “apoiar nossos aliados em preservar a segurança da Europa” enquanto a Europa “retoma sua autoconfiança civilizacional”. Tradução: vocês se defendem sozinhos enquanto resolvem seus problemas internos.
O abandono covarde da Ucrânia
A Ucrânia vira peça sacrificada no tabuleiro geopolítico. Trump quer paz “de qualquer jeito”, não importa o resultado. Isso significa forçar Kiev a aceitar acordo totalmente desfavorável com Moscou. É capitulação disfarçada de diplomacia.
A estratégia fala em “paz através da força”, mas aplica o conceito de forma distorcida. Paz através da força funciona quando você enfrenta o agressor com determinação. Trump quer aplicar força no lado mais fraco, obrigando a Ucrânia a se render.
Essa abordagem é perigosa e míope. Quando você recompensa agressão com território, apenas incentiva mais agressão. Putin aprenderá que violência compensa. Outros ditadores ao redor do mundo tomarão nota. A mensagem é clara: os americanos não defendem mais seus aliados.
A Europa tem capacidade militar para derrotar a Rússia sozinha. O PIB europeu é múltiplas vezes maior que o russo. Se a Polônia entrasse diretamente na guerra, a Rússia perderia rapidamente não apenas os territórios ucranianos, mas possivelmente Belarus e partes de Smolensk.
Mas Trump não quer que a Europa resolva o problema militarmente. Ele quer um acordo rápido que permita aos americanos lavarem as mãos da situação. O custo humanitário e geopolítico dessa “solução” será pago por outros.
Ironicamente, o abandono americano pode forçar a Europa a amadurecer geopoliticamente. Décadas de dependência de Washington podem finalmente acabar. A questão é se será tarde demais para evitar consequências catastróficas.
Desenvolvimentismo disfarçado de patriotismo
A nova estratégia abraça abertamente o desenvolvimentismo industrial. Trump acredita que indústrias locais são fundamentais para a segurança nacional. Esse pensamento protecionista contradiz décadas de política comercial americana baseada no livre comércio.
O documento enfatiza “reindustrialização” e “cadeias de suprimento seguras”. Trump quer produção doméstica em setores considerados estratégicos. Biotecnologia, inteligência artificial e computação quântica devem usar “padrões americanos”.
Essa visão ignora os benefícios do comércio internacional. Livre comércio enriquece todas as partes envolvidas. Forçar produção doméstica custa mais caro e reduz eficiência. É economia básica que Trump prefere ignorar em nome do populismo.
A obsessão com indústria nacional reflete insegurança sobre a competitividade americana. Em vez de melhorar condições para empresas competirem globalmente, Trump prefere criar barreiras artificiais. Isso protege alguns empregos industriais, mas prejudica o conjunto da economia.
O irônico é que os Estados Unidos dominam justamente os setores mais sofisticados da economia global. Tecnologia, serviços financeiros, entretenimento, pesquisa científica. Abandonar essas vantagens para focar em manufatura é estratégia retrógrada.
Outros países se beneficiarão dessa miopia americana. Quando os Estados Unidos se fecham, abrem espaço para competidores. China e Europa podem expandir influência em mercados abandonados pelos americanos. O “America First” pode virar “America Alone”.
O fim dos valores democráticos na política externa
Uma mudança silenciosa mas significativa marca a nova estratégia. Trump abandonou completamente a promoção de valores democráticos e livre mercado. Esses temas eram centrais nos documentos de 2017 e 2022. Agora simplesmente desapareceram.
A estratégia de 2017 ainda mencionava democracia como valor americano fundamental. O documento de Biden em 2022 manteve essa ênfase. A versão de 2025 não se importa mais com o tipo de governo dos países aliados. Apenas com seus interesses geopolíticos.
Isso representa ruptura filosófica profunda com décadas de política externa americana. Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se posicionavam como defensores da liberdade contra tirania. Agora essa narrativa foi abandonada por puro realismo geopolítico.
Para ditadores ao redor do mundo, essa é uma excelente notícia. Washington não vai mais incomodar regimes autoritários desde que não ameacem interesses americanos diretos. A promoção da democracia morreu oficialmente como prioridade americana.
Ironicamente, isso pode beneficiar países como o Brasil. Menos pressão ideológica americana significa mais espaço para políticas domésticas sem interferência externa. Mas também significa menos pressão sobre ditadores em países vizinhos.
O mundo fica mais perigoso quando a maior democracia do planeta para de defender valores democráticos. Autoritários se sentem mais à vontade para reprimir oposições. A liberdade perde seu principal defensor internacional.
Por que esta estratégia é economicamente míope
Trump vê a nova estratégia como economia de recursos. Menos gastos militares no exterior, menor envolvimento em conflitos distantes, foco em problemas domésticos. A lógica parece sólida superficialmente, mas ignora como o domínio global beneficia os Estados Unidos.
O domínio americano tem custos evidentes. Bases militares ao redor do mundo custam bilhões. Operações de paz custam mais bilhões. Ajuda militar para aliados custa mais alguns bilhões. Mas esses custos geram retornos econômicos ainda maiores.
O dólar como moeda de reserva global depende da hegemonia americana. Empresas americanas dominam mercados mundiais protegidas pelo guarda-chuva militar de Washington. Quando os Estados Unidos recuam militarmente, perdem influência econômica também.
A Europa ainda é mercado gigantesco para produtos americanos. Essa demanda existe parcialmente devido à aliança política e militar entre americanos e europeus. Romper essa aliança pode custar acesso privilegiado ao mercado europeu.
China e Rússia não vão deixar o vácuo de poder sem preenchimento. Quando americanos recuam, autoritários avançam. Mercados livres cedem espaço para economias dirigidas pelo Estado. Isso prejudica tanto americanos quanto o resto do mundo libre.
Trump subestima o valor do domínio global americano. Pode parecer caro manter, mas é muito mais caro perder e tentar recuperar depois. A história está cheia de potências que abdicaram da liderança e nunca mais a recuperaram.
Consequências para o Brasil e América Latina
Para o Brasil, a nova estratégia americana representa oportunidade histórica. Décadas de relação distante com Washington podem finalmente acabar. O foco americano no hemisfério ocidental coloca o Brasil no centro das prioridades geopolíticas dos Estados Unidos.
A Venezuela se torna teste imediato dessa nova abordagem. Trump promete resolver a crise venezuelana como parte do controle do “quintal americano”. Isso pode significar pressão real sobre o regime de Maduro, algo que governos anteriores evitaram.
A ascensão de líderes de direita na América Latina se alinha perfeitamente com a estratégia trumpista. Argentina de Milei já colhe benefícios dessa proximidade ideológica. Brasil pode seguir o mesmo caminho caso Flávio Bolsonaro vença em 2026.
Mas há riscos nessa aproximação. Os Estados Unidos veem a América Latina como “quintal”, não como parceira igual. Subordinação a Washington pode limitar autonomia brasileira em questões importantes. É o preço da proteção americana.
Economicamente, maior integração com os Estados Unidos pode compensar perdas comerciais com China e Europa. Mercado americano oferece oportunidades enormes para empresas brasileiras. Investimentos americanos podem acelerar desenvolvimento nacional.
A questão é se o Brasil está preparado para esse novo papel. Décadas de política externa independente criaram instituições e mentalidades avessas ao alinhamento automático com Washington. Mudança dessa magnitude exige transformação profunda no establishment diplomático brasileiro.
A nova estratégia americana é fundamentalmente covarde. Trump abdica do papel de liderança global conquistado ao longo de décadas para se esconder no hemisfério ocidental. Pode economizar recursos no curto prazo, mas custará caro no longo prazo.
Para o Brasil, essa covardia americana representa oportunidade única. Finalmente podemos ter acesso privilegiado ao mercado e proteção americanos. A Venezuela pode ser libertada. A integração hemisférica pode avançar sob liderança de direita.
Mas o mundo fica mais perigoso quando americanos fogem de suas responsabilidades globais. Europa abandonada, Ucrânia sacrificada, valores democráticos descartados. O preço dessa estratégia será pago por todos nós mais cedo ou mais tarde.
A pergunta que fica é: vale a pena trocar liderança global responsável por controle regional egoísta? Trump acha que sim. A história dirá se ele estava certo.

