
Donald Trump lançou a National Security Strategy de 2025, documento que define a estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos para os próximos anos. O texto revela uma mudança radical na posição americana: abandonar a liderança global para focar apenas no “quintal americano” – as Américas. A estratégia ressuscita a Doutrina Monroe do século XIX, colocando a América Latina sob controle direto americano.
Para o Brasil e outros países latinos, isso pode ser positivo. Para o resto do mundo, especialmente Europa e Ásia, é uma porta na cara. Trump está apostando que essa postura isolacionista vai economizar dinheiro americano. O problema é que pode sair muito caro no longo prazo.
O documento marca uma ruptura histórica. Pela primeira vez em décadas, os Estados Unidos declaram abertamente que não querem mais ser a polícia do mundo. Querem apenas ser o xerife das Américas.
A nova Doutrina Monroe: América para os americanos
O coração da estratégia Trump 2025 está na ressureição da Doutrina Monroe. Criada em 1823 pelo presidente James Monroe, a doutrina estabelecia que as Américas eram zona de influência exclusiva dos Estados Unidos. Nenhuma potência europeia poderia interferir no hemisfério ocidental.
Trump atualizou essa visão para 2025. O objetivo declarado é manter o hemisfério ocidental “razoavelmente estável e bem governado o suficiente para prevenir migrações em massa para os Estados Unidos”. Traduzindo: Trump não quer melhorar a vida dos latino-americanos por bondade. Quer evitar que eles migrem para o norte.
A estratégia define quatro pilares para as Américas. Primeiro: cooperação contra narcotraficantes, cartéis e organizações criminosas transnacionais. Segundo: manter o hemisfério livre de “incursões hostis estrangeiras” e controle de ativos críticos. Terceiro: garantir cadeias de suprimento seguras. Quarto: assegurar acesso americano a “localizações estratégicas”.
Para o Brasil, isso pode significar parcerias mais próximas e investimentos americanos. Se Flávio Bolsonaro ganhar as eleições de 2026, como especulado no documento, a relação pode ficar ainda mais estreita. A Argentina de Milei já colhe os frutos dessa aproximação com Trump.
Europa na berlinda: críticas pesadas ao Velho Continente
O documento não poupa críticas à Europa. Trump acusa os europeus de estarem perdendo sua “autoconfiança civilizacional e identidade ocidental”. O texto menciona explicitamente preocupações com imigração em massa e possibilidade de países europeus serem “controlados por não-europeus”.
Essa é uma referência direta à teoria da “grande substituição” – a ideia de que europeus nativos estão sendo substituídos por imigrantes. Trump trata isso como questão de segurança nacional americana. O raciocínio: se a Europa se desestabilizar, pode afetar os interesses americanos.
A crítica vai além de questões migratórias. O documento aponta excesso de regulamentação europeia como fator que tira competitividade do continente. Trump vê a Europa como aliado em declínio que não consegue resolver seus próprios problemas.
O mais controverso é a posição sobre a guerra na Ucrânia. Trump coloca parte da culpa do conflito na própria Europa, adotando uma visão que favorece narrativas russas. Para ele, europeus criaram o problema e devem resolvê-lo sozinhos.
Ucrânia: aliado sacrificado no altar do isolacionismo
A estratégia Trump para a Ucrânia é brutal na sua simplicidade: a guerra tem que acabar, não importa como. O documento deixa claro que os Estados Unidos não vão mais bancar a resistência ucraniana indefinidamente. Se a Europa quer salvar Kiev, que pague a conta sozinha.
Essa posição ignora princípios básicos de geopolítica. Quando você abandona um aliado sob ataque, manda uma mensagem para todos os outros aliados: vocês podem ser os próximos. Quando você recompensa um agressor com concessões territoriais, está incentivando mais agressões futuras.
Trump aposta que pode forçar um acordo de paz pressionando a Ucrânia a aceitar perdas territoriais. Chama isso de “paz através da força”. Na prática, é submissão através da chantagem. A Rússia fica com o que roubou. A Ucrânia engole o prejuízo. E Putin aprende que agressão compensa.
A Europa tem recursos para resolver o problema sozinha, como o próprio documento reconhece. O PIB europeu é muito maior que o russo. As forças militares europeias são superiores. Se a Polônia entrasse diretamente no conflito, a Rússia perderia rapidamente. Trump está certo nesse diagnóstico, errado na solução.
Economia: protecionismo disfarçado de patriotismo
O documento Trump 2025 abandona décadas de defesa americana do livre comércio. No lugar, propõe um desenvolvimentismo protecionista focado em “reindustrialização” dos Estados Unidos. A ideia é ter mais fábricas americanas, mesmo que isso signifique produtos mais caros para consumidores americanos.
Essa visão ignora os benefícios básicos do comércio internacional. Países se especializam no que fazem melhor. Trocam produtos e serviços. Todo mundo sai ganhando. Quando você força produção doméstica ineficiente, está jogando dinheiro no lixo.
Trump quer que tecnologia americana domine áreas como inteligência artificial, biotecnologia e computação quântica. Isso faz sentido. O problema é quando essa dominação vem através de protecionismo ao invés de competitividade genuína.
O documento também demonstra preocupação com controle estrangeiro de recursos energéticos no Oriente Médio. Trump quer evitar que “poderes adversários” dominem campos de petróleo e gás. Mas não quer gastar recursos americanos protegendo essas regiões. É uma contradição óbvia: você quer controlar, mas não quer pagar o preço do controle.
Valores democráticos: fora da agenda americana
Uma mudança significativa no documento 2025 é o abandono da retórica sobre valores democráticos. Estratégias anteriores, incluindo a de Trump em 2017, mencionavam promoção da democracia e direitos humanos como objetivos americanos.
O novo documento ignora completamente essa agenda. Trump não se importa mais se países parceiros são democráticos ou autoritários. O que importa é se cooperam com interesses americanos. É uma visão puramente transacional das relações internacionais.
Essa mudança tem lógica do ponto de vista libertário. Os Estados Unidos não deveriam impor seu sistema político a outros países. Mas também tem consequências práticas. Ditaduras tendem a ser parceiros menos confiáveis que democracias no longo prazo.
A mudança reflete a evolução do trumpismo entre 2017 e 2025. O primeiro governo Trump ainda mantinha alguma retórica tradicional republicana sobre valores ocidentais. O segundo Trump é mais cru, mais transacional, mais isolacionista.
O preço da covardia: consequências econômicas
Trump vê o isolacionismo como economia de recursos. Não gastar dinheiro protegendo aliados distantes. Não se meter em guerras que não afetam diretamente território americano. Focar energia e recursos no hemisfério ocidental, onde o controle é mais fácil e barato.
Essa lógica tem um problema fatal: ignora os benefícios econômicos da liderança global. Os Estados Unidos não mantêm bases militares no mundo por caridade. Mantêm porque isso gera retornos econômicos e políticos. Mercados abertos, rotas comerciais seguras, moeda forte, influência política.
Quando você abandona essa posição, outros ocupam o vácuo. China e Rússia já estão se posicionando para preencher espaços deixados pelos americanos. No longo prazo, isso significa menos influência americana, menos mercados para produtos americanos, menos poder de barganha em negociações internacionais.
A Europa ainda consome enormes quantidades de produtos americanos. Parte disso acontece devido à influência política e militar americana no continente. Quando essa influência diminui, mercados podem ser redirecionados para outros fornecedores. China produz muita coisa que os Estados Unidos produzem, muitas vezes mais barato.
Brasil pode sair ganhando, mas com ressalvas
Para o Brasil, a estratégia Trump pode trazer benefícios significativos. Mais investimento americano, mais cooperação em segurança, mais influência contra governos autoritários na região. Venezuela está na mira americana como exemplo de “interferência estrangeira” que precisa ser eliminada.
Se o próximo governo brasileiro for alinhado com Trump, as oportunidades podem ser ainda maiores. Parcerias tecnológicas, acordos comerciais, cooperação militar. O documento deixa claro que Trump prefere lidar com governos ideologicamente próximos.
Mas há um lado sombrio nessa relação. Trump não vê o Brasil como parceiro. Vê como subordinado. A Doutrina Monroe atualizada coloca toda América Latina como “quintal” americano. Isso significa que decisões brasileiras importantes podem precisar de aprovação americana.
Soberania nacional fica comprometida quando você aceita ser quintal de alguém. O Brasil pode ganhar investimentos e proteção, mas perde autonomia. É uma troca que pode valer a pena no curto prazo, mas gera dependência no longo prazo.
A Europa pode acordar – ou não
O abandono americano pode forçar a Europa a crescer. Durante décadas, europeus se acostumaram com proteção americana gratuita. Gastaram menos em defesa, investiram mais em programas sociais. Agora precisam escolher: se defender sozinhos ou aceitar subordinação a Rússia e China.
A Europa tem recursos para se defender. PIB europeu é múltiplo do PIB russo. Tecnologia militar europeia é superior. População europeia é muito maior. O problema sempre foi falta de vontade política, não falta de capacidade.
Se Trump forçar essa decisão, pode estar fazendo um favor involuntário. Uma Europa militarmente independente seria parceiro mais útil que uma Europa dependente. Também seria mercado mais seguro para produtos americanos, menos vulnerável a chantagens russas ou chinesas.
Por outro lado, a Europa pode simplesmente aceitar a subordinação. Fazer concessões à Rússia na Ucrânia. Aceitar influência chinesa crescente. Redirecionar comércio para parceiros não-americanos. Nesse cenário, todos saem perdendo – europeus perdem liberdade, americanos perdem mercados.
Trump está assumindo um risco enorme. Pode funcionar se a Europa reagir com independência e responsabilidade. Pode ser desastroso se a Europa reagir com ressentimento e realinhamento geopolítico.
Isolacionismo como projeto de poder
A estratégia Trump reflete uma visão de mundo que confunde isolamento com fortaleza. A ideia é que os Estados Unidos são tão poderosos que não precisam se preocupar com o resto do mundo. Basta controlar o hemisfério ocidental e deixar o resto se resolver sozinho.
Essa visão ignora como o poder realmente funciona no mundo moderno. Poder não é só capacidade militar ou PIB. É também influência, presença, capacidade de moldar regras internacionais. Quando você se retira de espaços importantes, outros atores ocupam esses espaços.
China já está expandindo influência na África, Ásia e até na América Latina. Rússia está reconstruindo esferas de influência na Europa Oriental e Ásia Central. Irã está projetando poder no Oriente Médio. O vácuo americano está sendo preenchido rapidamente.
Trump aposta que pode manter a liderança americana focando apenas nas Américas. É uma aposta arriscada. Liderança global não funciona por geografia. Funciona por presença, influência e capacidade de moldar eventos onde eles acontecem. Quando você desiste dessa presença, desiste da liderança.
A estratégia pode funcionar no curto prazo. Estados Unidos podem economizar dinheiro, reduzir riscos, focar em problemas domésticos. Mas no médio e longo prazo, o preço da ausência pode ser muito maior que o custo da presença.
O documento Trump 2025 é, fundamentalmente, uma estratégia de declínio administrado. Aceita que os Estados Unidos não podem mais liderar o mundo inteiro. Escolhe focar no que considera mais importante: as Américas. É uma posição defensiva disfarçada de estratégia ofensiva.
Para o Brasil e América Latina, pode significar uma década de influência americana mais próxima e investimentos maiores. Para o mundo, significa multipolaridade acelerada e fim da era de hegemonia americana. Para os próprios Estados Unidos, pode significar menos influência global e mercados menores no futuro.
O tempo dirá se Trump está sendo visionário ou covarde. Mas uma coisa é certa: essa estratégia muda fundamentalmente o jogo geopolítico global. E mudanças dessa magnitude sempre cobram um preço de alguém.
A pergunta que fica é: os Estados Unidos estão preparados para pagar esse preço quando a conta chegar?

