
O PSDB decidiu recorrer à Justiça contra o pronunciamento de Lula sobre a nova lei de isenção do imposto de renda. Uma decisão aparentemente comum na política brasileira, mas que ganha contornos curiosos quando observamos o momento político atual. Com Bolsonaro preso, o ambiente institucional em ebulição e Geraldo Alckmin como vice-presidente da República, a situação parece orquestrada como peças de um tabuleiro que já existe há décadas.
A cena seria surreal em qualquer outra democracia. Um partido político processando um pronunciamento presidencial sobre redução de impostos, enquanto seu principal líder ocupa a vice-presidência do governo. É uma contradição tão gritante que revela a verdadeira natureza do jogo político brasileiro: não se trata de ideologia ou princípios, mas de estratégia de poder.
O pronunciamento de Lula seguiu o roteiro habitual do populismo fiscal. Anunciou ampliação da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000 mensais e redução da alíquota para quem recebe entre R$ 5.000 e R$ 7.350. Um discurso cuidadosamente elaborado para parecer que o governo oferece ao trabalhador um prêmio tardio após anos de aperto econômico.
A ironia é gritante. A mesma classe política que há décadas vive de extorquir o trabalhador com impostos crescentes agora se apresenta como descobridora da verdade óbvia: cobrar menos imposto é bom para quem trabalha. Como se fosse uma revelação revolucionária e não senso comum elementar.
A súbita defesa tucana das regras institucionais
O PSDB acusa Lula de usar a máquina pública para autopromoção e afirma que o pronunciamento teve caráter eleitoral, violando a impessoalidade administrativa. Em outras palavras, os tucanos resolveram falar em limites, neutralidade e equilíbrio institucional justamente agora, quando a paisagem do poder está sendo redesenhada.
A transformação é notável. O mesmo partido que se beneficiou por anos das brechas do sistema agora se apresenta como paladino da Justiça. É como assistir a uma peça de teatro onde os atores trocam de papel no meio da apresentação, mas o público já conhece o roteiro de cor.
Quando o vento político muda, algumas velas sobem, outras descem. E certos partidos, acostumados a navegar no conforto das irregularidades institucionais, passam a soar como defensores da legalidade. A hipocrisia não poderia ser mais evidente.
O timing da ação judicial revela muito sobre as intenções por trás dela. Não se trata de defender princípios republicanos, mas de reposicionamento estratégico diante de uma nova configuração de forças políticas.
A transformação silenciosa da imprensa brasileira
Nada se compara à estranheza que tomou conta da imprensa desde a prisão de Bolsonaro. Uma transformação silenciosa se espalhou pelas redações e estúdios de todo o país. O tom reverente, quase religioso, em relação ao ministro Alexandre de Moraes mudou completamente da noite para o dia.
Durante anos, Moraes foi tratado pela mídia como bastião da moralidade republicana, defensor incansável da democracia contra as ameaças autoritárias. Qualquer crítica às suas decisões era imediatamente rotulada como ataque às instituições democráticas.
Mas agora, com o inimigo comum neutralizado, a mesma imprensa descobriu súbita preocupação com excessos, devido processo legal e limites constitucionais. É como se todos tivessem acordado de um transe no exato momento em que o alvo preferencial foi eliminado do jogo.
A mudança de discurso é tão abrupta que chega a ser cômica. Onde antes havia apoio incondicional, agora surgem questionamentos sobre métodos e procedimentos. A defesa das garantias individuais, tratada durante tanto tempo como desnecessária, virou pauta editorial urgente.
O retorno de Aécio Neves como pacificador
Como se a volta ao teatro não estivesse suficientemente clara, aparece Aécio Neves posando de pacificador entre direita e esquerda. O mesmo Aécio que desapareceu durante anos retorna das cinzas como estadista conciliador, pronto para devolver ao país a estabilidade que ele próprio ajudou a destruir.
A reinvenção é impressionante. Um político marcado por escândalos e derrotas eleitorais se apresenta como solução para os problemas nacionais. É o tipo de movimento que só faz sentido na lógica perversa do sistema político brasileiro, onde o passado é sempre reescrito conforme a conveniência do momento.
Essas estranhas coincidências reforçam a sensação de que voltamos exatamente ao ponto onde tudo sempre esteve. PT e PSDB alternando papéis, dando tapas públicos um no outro, enquanto nos bastidores ajustam o mecanismo para que o poder nunca saia do eixo estabelecido.
Não é novidade, é o retorno do velho teatro das tesouras. Um arranjo político em que dois grupos supostamente opostos comandam o país de maneira alternada, mantendo a ilusão de disputa enquanto garantem que nada realmente importante mude.
As verdadeiras origens da perseguição política
Talvez esteja na hora de admitir publicamente o que muitos percebem há anos. Não foi o PT isoladamente que moveu as engrenagens da perseguição política contra Bolsonaro. O PT pode ter feito barulho e festejado, mas o motor da máquina estava muito mais próximo do PSDB do que do Partido dos Trabalhadores.
Alexandre de Moraes nunca foi figura neutra nesse processo. Sua carreira foi impulsionada dentro do próprio PSDB. Foi Alckmin quem o colocou em postos-chave em São Paulo, de onde saltou direto para o Supremo Tribunal Federal. Fingir que sua atuação não carrega o DNA tucano é ignorar a história recente.
Moraes era filiado ao PSDB. Tucano de carteirinha que se transformou no principal algoz da direita brasileira. A coincidência é tão gritante que dispensa comentários mais elaborados sobre as motivações por trás de suas decisões controversas.
O PSDB sempre se apresentou como partido da elite intelectualizada, da socialdemocracia travestida de direita moderada. Quando Bolsonaro apareceu, bagunçou todos os planos com seu jeito autêntico e sua capacidade de mobilizar o povão sem intermediários tradicionais.
O establishmento nunca perdoou a quebra do roteiro
Bolsonaro não apenas venceu eleições, ele quebrou a lógica de poder estabelecida há décadas. Rompeu com as elites tradicionais e colocou fogo no teatro político brasileiro. O establishmento, acostumado a mandar sem ser questionado, jamais perdoou essa ousadia.
A reação do sistema foi proporcional à ameaça representada. Como um organismo vivo tentando preservar a si mesmo, reagiu com tudo que tinha à disposição: mídia, Judiciário, burocracia e até mesmo setores empresariais dependentes de facilidades estatais.
O ódio profundo demonstrado por alguns setores do PSDB tem explicação simples. Bolsonaro estragou o plano de assumir o papel de direita responsável e moderada no Brasil. Era a estratégia perfeita: apresentar-se como alternativa civilizada ao PT, mantendo a mesma estrutura de poder concentrado.
Talvez seja esse o motivo da ferocidade da perseguição. Não se tratava apenas de derrotar um adversário político, mas de restaurar uma ordem que havia sido temporariamente interrompida por um outsider inconveniente.
A falsa esperança do teatro eleitoral
O Brasil nunca saiu realmente do teatro das tesouras. A política do café com leite do início da República já funcionava da mesma forma: alternância de poder fingida, controle real constante. O que mudaram foram os personagens, não a estrutura fundamental.
O Estado continua sendo a máquina que concentra poder, distribui privilégios e prende o cidadão comum num ciclo interminável de impostos e regulações. Do ponto de vista libertário, toda essa disputa é apenas ruído para dar falsa esperança ao povo que vive aguardando a próxima eleição.
O problema não são os partidos específicos, mas a própria existência de uma estrutura que permite que grupos imponham sua vontade pela força. O Estado é uma organização que se atribui o direito de tomar, regular e punir, independentemente do consentimento dos indivíduos.
É a institucionalização da coersão. É a violência disfarçada de autoridade. É a promessa falsa de proteção usada como justificativa para saquear quem produz riqueza real na economia.
A única saída verdadeira é prática, não política
É possível tentar reduzir danos votando no menos pior, mas acreditar que eleições sozinhas vão nos libertar é ingenuidade perigosa. É como esperar que o lobo cuide amorosamente das ovelhas que pretende devorar.
A única saída verdadeira é prática: retirar o Estado de nossas vidas, reduzir nossa dependência dele, usar ferramentas descentralizadas como Bitcoin para fugir da moeda inflacionada e manipulada por burocratas. Recusar-se a financiar voluntariamente aqueles que nos exploram sob a desculpa de representação democrática.
Enquanto continuarmos pagando impostos compulsórios, obedecendo a decretos arbitrários e confiando em instituições que só existem para servir a si mesmas, estaremos bancando o mesmo teatro que nos esmaga todos os dias.
O movimento do PSDB contra Lula não é defesa da legalidade. É reposicionamento estratégico, sinal de que a velha engrenagem está girando outra vez. Se não aprendermos a sair da plateia, o espetáculo continuará indefinidamente.
A pergunta que fica é simples: você vai continuar sendo cortado pelas duas lâminas da tesoura ou vai buscar alternativas reais de liberdade? O teatro só funciona enquanto houver plateia disposta a acreditar na encenação.


